Jos? Junior, do AfroReggae, quer anistia para traficante

16/08/2011 14:39

 
José Junior, do AfroReggae, quer anistia para traficanteEm entrevista exclusiva ao iG, ele afirma que proposta caminha para virar realidade
Flávia Salme, iG Rio de Janeiro |
 
 
 

 

Foto: Divulgação

José Júnior, fundador e coordenador da ONG AfroReggae

A ideia é polêmica: perdoar traficantes que queiram largar as armas para pegar no batente. Quem a defende é José Júnior, fundador e coordenador da ONG AfroReggae, que tem parcerias fechadas com empresários como Guilherme Leal, da Natura, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e o apresentador Luciano Huck, e mantém bom relacionamento com traficantes como Elias Maluco e Marcinho VP. “Acredito que os inimigos ou aqueles que pensam diferente podem comungar em prol de uma questão de maneira mais civilizada”, defende. Junior não especifica quem teria direito a anistia nem como ela seria feita. “Não significa dizer que não vai ter pena nenhuma, tem que ver caso a caso”, explica. “Mas o cara tem que ter uma alternativa. É difícil, não é simples”, reconhece. Ele ressalta apenas que é para quem “comprovadamente quer largar o crime”.

No próximo dia 4, Júnior apresenta o quarto programa “Conexões Urbanas”, no canal de TV por assinatura Multishow (a nova temporada começou no último dia 14). Promete colocar mais lenha na fogueira, no episódio “Anistia 2”. Se na primeira abordagem do assunto o coordenador do AfroReggae quis ouvir traficantes e ex-traficantes, Júnior agora escalou um time de políticos, juízes e promotores para avaliar – e defender – a proposta. O debate inclui os senadores Lindberg Farias e Eduardo Suplicy (ambos do PT), a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o jurista Técio Lins e Silva, além de juízes e promotores que atuam em Varas de Execuções Penais (VEP) do País.

Convencido de que a oportunidade de um trabalho honesto pode manter as pessoas longe do crime, o AfroReggae assinou, no último dia 5, a carteira de trabalho de Francisco Paulo Testas Monteiro, de 47 anos, o Tuchinha, ex-chefe do tráfico no Morro da Mangueira. Depois de cumprir 21 anos de prisão até ingressar na nova vida – com direito a aperto de mão do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral –, Tuchinha agora é responsável por cooptar jovens traficantes para o caminho do bem. Ele está em liberdade no regime semiaberto.

O ex-traficante virou trabalhador legalizado por meio do projeto Empregabilidade, da própria ONG, que já ajudou na contratação de duas mil pessoas, 900 delas traficantes e ex-presidiários, segundo José Junior. Outras contratações recentes foram as de Marcos Coutinho, de 23 anos, e Jucelino Vitório, de 24 anos, respectivamente cameraman e operador de áudio do “Conexões Urbanas”. Ambos deixaram seus fuzis no Complexo do Alemão, no ano passado, assim que a polícia ocupou a favela.

Em setembro, José Junior promete enfrentar um novo desafio: vai ao presídio federal de Porto Velho (RO) conversar com os chefes do tráfico Elias Maluco e Marcinho VP. Junior acredita que ambos podem se animar em largar a vida do crime para viver a rotina na disciplina. “Conheço o Elias há muito tempo. Tenho esperança de que consigo tirar ele do crime. Ouço muito que isso é impossível. Do próprio Tuchinha eu ouvi isso”, diz. “Mas eu tenho uma qualidade que talvez seja um dos meus melhores defeitos. Eu não ouço ninguém. Aliás, ouço, mas sigo meu coração”.

A seguir, José Júnior fala sobre assuntos que dominarão seu próximos programas e outros temas polêmicos a respeito do Rio de Janeiro:

Anistia

“É para quem quer largar o crime comprovadamente. Não quer dizer que o cara não vai ter pena nenhuma, ele pode ter uma pena. Não é assim ‘o cara matou 300 pessoas e vai ser anistiado’. Não. Por exemplo: conheço um cara que é traficante e está pensando em largar essa vida. Tento ajudá-lo, penso em um emprego para ele. Mas o cara tem a ficha criminal tão extensa, que se ele se entregar vai pegar a pena máxima, 30 anos. Esse aí não vai largar. Acho que se tivesse uma chance, largaria. Na prática, ele nem está mais vivendo no crime. É uma situação bem difícil. Tem um outro cara que largou o crime e começou a trabalhar. Estava levando a vida honestamente e foi preso. Pô, esse cara já estava com a vida diferenciada...”

Segunda chance

“Vou falar uma coisa curiosa, lembra aquela fuga no Alemão? Devia ter o quê? Umas duzentas pessoas ali. Digo que mais de 50% nunca passaram por uma delegacia. O Celino e o Marcos, que hoje trabalham no Conexões Urbanas, nunca foram presos, nunca foram condenados, porque sequer foram fichados. Tem um cara que eu já tirei do crime que nunca foi preso. Ele era dono de favela, chefão do narcotráfico. Isso acontece. Na verdade o que chama a atenção da polícia para um traficante é o fato de ele ser violento, de permitir roubo do lado de fora da sua região e quando tem funk de apologia a ele. Acontece que não tem traficante do bem, tem traficante menos mal”.

Elias Maluco e Marcinho VP

“No mês que vem vou visitá-los em Porto Velho. Os dois permitiram e a Justiça autorizou. Conheço os dois, o Márcio me manda muitas cartas. O Elias eu conheço há muito tempo porque ele era de Vigário Geral. Tenho esperança de que consigo tirar ele do crime. Eu compro essas brigas. Acredito que os inimigos ou aqueles que pensam diferente podem comungar em prol de uma questão de maneira mais civilizada. Acredito que as pessoas podem andar juntas".

 

Foto: Divulgação

José Júnior quer anistia para traficantes de drogas

Ocupação do Complexo do Alemão

“Pode parecer blasé o que vou falar, mas de dez situações de alto risco que eu já vivi, aquela lá não é uma delas. Claro que estava tenso, mas tinha a presença da imprensa. É o seguinte: antes da ocupação circulou uma carta pedindo para me matar. Pensei que fosse para o pastor Rogério, que trabalha com a gente no AfroReggae e entrou na favela comigo, mas depois confirmei que era para me matar mesmo. Este traficante que pediu minha cabeça para o Marcinho VP – e claro que o Márcio não ia autorizar, ele gosta de mim e eu lido muito bem com a família dele – foi o mesmo que me ligou e pediu para eu ir lá antes da ocupação da polícia.

"Moradores também me ligaram. Mas a questão é: por que entrei lá? Para evitar derramamento de sangue? Também. Para que policiais não morressem? Também. Mas eu não queria que os traficantes morressem. E por que eu não queria? Porque tem vários ex-traficantes comigo. Insisto: os caras quando têm oportunidade largam o negócio. Por que hoje eu tenho o Celino e o Marcos comigo? Porque acredito nisso. Mas tem essa questão da carta ameaçando me matar. Quando vi isso, eu falei ‘f..., vou ter que ir nessa p... mesmo’. Fui grampeado long time, sei disso porque tem muitos amigos que me falam. E com certeza esse telefonema do traficante que escreveu a carta para mim foi gravado. Se eu não fosse lá no Alemão ia perder um pouco da minha moral".

Ocupação militar: o iG mostrou que moradores estão agredindo militares no Complexo do Alemão...

“Os militares lá se excedem para cacete. Muitos ficam olhando de cara feia para todo mundo. Eles não são essa coisa toda não. Eles abusam, mexem com as garotas. Tem problemas lá? Tem. Mas não considero que seja muito grave. Alguns militares são abusados. Os caras têm 18, 19 anos, não têm preparo algum".

Gosto pelo poder

“Sou eclético nessa questão de religiosidade, mas tem um Xangô e um Ogum em mim que é f... O justiceiro e o guerreiro. Se a pessoa está certa eu compro a briga dela. Se não faço isso, não consigo dormir. Se você observar um pouco vai ver que o AfroReggae se relaciona com empresas muito ricas. Eu, particularmente, poderia ter muito mais dinheiro se quisesse. Mas eu não quero dinheiro, quero poder. Que poder é esse? O de fazer um ex-traficante como o Tuchinha apertar a mão do governador; de convencer traficantes a largarem o crime; de chegar para o Guilherme Leal, que é o dono da Natura, e convencê-lo a investir em pessoas que talvez a Natura nunca investisse. Esse é um poder que não tem preço, que você não compra nem aprende na faculdade".

Marcados para morrer

“Começamos o programa falando sobre a situação na Amazônia, que está chapa quente. Chegamos no dia em que o Zé Claudio e a mulher, Maria do Espírito Santo da Silva foram mortos. O que vi ali foi uma ausência total do Estado em todas as suas esferas, federal, estadual e municipal. Vi um terror generalizado. Lá tem a figura do pistoleiro e esse cara não é temente a nada, porque ele sabe que vai matar e não vai dar em nada. Tem um monte de pessoas na lista para morrer. Os ativistas que lutam contra as madeireiras e os grileiros de terra têm uma ideologia meio “gandhiana”, eles não revidam as agressões. Essas pessoas estão morrendo por causa da gente, para salvar o planeta”.

Igreja atuante

 

“Na Amazônia constatei a ausência de tudo, menos da igreja católica. O que vi dá orgulho. Esqueça tudo o que você conhece de Igreja Católica aqui no Sudeste, no Sul e no Centro-oeste. A Pastoral da Terra, os advogados que trabalham com eles, os padres, as freiras... São mediadores que colocam suas vidas em risco pelo bem estar daquela população. O José Batista Afonso foi um advogado da Pastoral da Terra que me chamou bastante a atenção. Ele está ameaçado de morte e é uma figura que o Brasil precisa conhecer melhor. E, lá na Amazônia, em áreas como Nova Ipixuna, onde morava o José Claudio, quem está na lista para morrer, se não fugir para o Pará, morre mesmo. A maioria não foge, a maioria morre. E fica por isso mesmo, não dá em nada”.

Quem são os pistoleiros

“Faço mediação de conflito no Rio de Janeiro. Não fomos atrás dos pistoleiros nem de grileiros ou de madeireiros. É que nem você me perguntar qual a cara do traficante no Rio. Quem é narcotraficante brasileiro? É o Elias Maluco, o Marcinho VP, ou é quem está atrás de grandes conglomerados, que têm relações com o Judiciário ou o Congresso Nacional? A questão é: se tem o madeireiro, se tem a grilagem, tem alguém consumindo o que eles oferecem. Quais são os interesses maiores? Por que o governo federal e o governo estadual não se manifestam? Por que todo mundo sabe que dona Maria vai morrer e ninguém faz nada?”

Tráfico na Amazônia

“Cara, lá você vê favela no meio da floresta. Tem tráfico e assassinatos no meio da floresta. O cenário é diferente, são casas de palafitas e um monte de gente viciada na pasta-base de coca, que é um crack piorado. Vi um cara trocar uma calça imunda, com um odor horroroso por drogas. O nível dos traficantes lá é baixíssimo. E, na verdade, não tem a figura do traficante, lá é o ‘boqueiro’, que não é tão belicista quanto o traficante. E além disso, a venda de drogas é feita por famílias inteiras: são pais, mães e até os filhos".

Polícia com borogodó e fé

“Conheci o em Belém o trabalho do delegado Eder Mauro, uma figura que tem borogodó. Por conta de suas opiniões, o cara foi afastado da delegacia de entorpecentes, há 13 anos. Mas ele nunca deixou de combater o tráfico, diz que é o seu foco. Os delegados que conheci no Rio que falaram do governo o que ele fala lá foram exonerados. Ele é muito independente e tem uma visão social incrível. Ele sabe que o cara que tá lá vendendo no varejo não influi na questão maior do tráfico. É uma grande figura, delegado da linha de frente, participa das operações. Aqui no Rio poucos são assim, a maioria chega depois que as coisas foram resolvidas pelos inspetores. Tem casos raros como os dos delegados Marcos Reimão, o do ex-chefe de polícia Alan Turnowski, e do Carlos Oliveira, que foi afastado. Eles eram delegados que iam para as operações comandar os trabalhos. O Eder Mauro é assim. E olha que ele já foi vítima de atentado, a mulher dele já foi baleada...

"Também lá conheci o sargento Silvanom Oliveira. Tinha um enorme orgulho da farda. Ele foi treinado pelo Bope aqui no Rio e integra a Rotam (Ronda Tática Metropolitana do Pará), a polícia de elite local. O curioso é que o cara é pastor. Conversamos sobre isso e ele disse que sabia diferenciar o trabalho de evangelização do trabalho policial. Nunca tinha visto um pastor policial e popstar."

Desempenho ruim do Ciep João Goulart instalado em prédio com projeto do AfroReggae, mostrado pelo iG

“O AfroReggae não tem nada a ver com a escola. Por acaso, estamos no mesmo prédio, o Complexo Rubem Braga. Metade daquele prédio é do Estado, metade da Prefeitura. Estamos na parte do Estado, com uma escola de circo. As crianças matriculadas na nossa escola não são as mesmas que estudam no Ciep. Não é legal saber que os alunos lá estão com desempenho ruim. Mas não temos nada a ver com isso."

Fonte:http://ultimosegundo.ig.com.br

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