UM TALENTO QUE AFLORA NA LITERATURA
Terminei recentemente a leitura do ótimo livro “Au Noir”, autoria de Li Azevedo, narrando experiência da própria autora quando foi expulsa da Bélgica por tentar trabalhar ilegalmente naquele país. A própria temática – o encarceramento -, a narrativa direta, objetiva, sucinta, o olhar sagaz, crítico e sensível, ao narrar o próprio drama, remeteu-me à leitura que fiz há muitos anos do monumental Memórias do Cárcere, do mestre Graciliano Ramos. Li Azevedo, a exemplo de Graciliano, enfrentou o encarceramento de forma estóica, sem assumir postura de vítima ou tentar simplesmente culpar outros pelo próprio infortúnio, transformando a experiência em uma bela obra literária. A experiência de Li Azevedo, narrada de forma objetiva, direta, sensível e quase poética, reflete não só o drama vivido pela própria que, felizmente, terminou bem, mas o drama de muitos brasileiros que, diante das quase insuperáveis injustiças sociais do nosso país, tentam buscar oportunidade fora deste, especialmente nos Estado Unidos e Europa, quase sempre em atividades que os locais consideram indignas. Esse tipo de aventura muitas vezes termina de forma trágica, como foi o caso há algum tempo do mineiro Jean Charles, morto pela polícia londrina ao ser confundido com um terrorista. Os tenebrosos muros do castelo onde Li Azevedo ficou encarcerada foram as lentes que ampliaram sua visão, permitindo-lhe enxergar com mais clareza os invisíveis muros mercantilistas, políticos, sociais e ideológicos que nos classificam, nos separaram, nos segregam, nos oprimem e, principalmente, nos dizimam.
*Gilberto Alves é policial civil, graduado em Filosofia.
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