--Conheci a jovem artista Joana Limongi nos idos de 1998. Éramos meninas, amigas, estudantes, viajantes, frequentadoras de bares, cafés, vernissages, festas... Lembro-me de suas primeiras exposições de artes, da imagem e de entrevistas dela publicadas nos cadernos de arte-cultura dos principais jornais de Brasília.
Ela era só uma menina e já trabalhava duramente como adulta e responsável. Com uma astúcia nata, determinação e garra surpreendentes, Joana não só pintava, mas também corria atrás de patrocinadores e apoios, acreditava, criava e produzia seus eventos sempre lotados de pessoas interessantes. Vendeu todas as telas. E eram muitas. Aos poucos, ou muito rapidamente, não me lembro bem, suas pinturas circulavam por todo o DF e em outros estados brasileiros, e seu trabalho se tornava cada vez mais envolvente,reconhecido, almejado.
Nos traços de sua pintura – representados especialmente por cores primárias, pinceladas largas e fortes e temas curiosos da vida urbana-cotidiana – a artista imprimia com nitidez a identidade de sua arte. É bater o olho numa tela da artista e pronto: você logo a reconhece!
Em meio a uma fascinante vida regada a vivências, família, amizades atraentes, amores e desamores, duas maternidades, estudos incluindo um mestrado em Artes, sua imersão no teatro de Zé Celso Martinez, sua atuação no cinema como primeira assistente de direção, etc., enfim, não se pode dissociar a imagem de Joana Limongi da pintura, da inquietude expressa no desejo de criar e produzir, da sua performance em si como artista.
Passados todos estes anos, agora Joana Limongi apresentará, nos dias 10, 11 e 12 de dezembro, sua primeira exposição de pinturas abstratas, sem nome até agora,
Segue abaixo uma conversa com a artista Joana Limongi sobre seu novo trabalho.
Quanto tempo tem sua história com a pintura?
Comecei a estudar pintura pirralha, com 12 anos. Com 16 cheguei no Ateliê do Lourenço. Entre 1999 e 2005
vivi de pintura, fiz algumas exposições individuais, participei de algumas coletivas, inaugurei a Galeria do
Lourenço em 2003. Em 2005 expus na Galeria Marco Antônio Vilaça. Em 2006 publiquei um catálogo com
as obras produzidas entre 1999 e 2005, que se chama Maria Brasileira Limongi.
Você sabe porque parou de pintar?
Eu estava a fim de estudar, ler muitas coisas, aí inventei a coisa do mestrado e fui parar no Teatro Oficina. Nos últimos anos, tentei pintar muitas vezes, mas tudo que produzi, no final, pintei de preto.
Você expôs (os quadros negros)?
Não. Mas um deles está nessa exposição que considero o primeiro dessa nova fase (de abstratos). Até então eu nunca tinha feito uma pintura abstrata. Para mim, aquela fase em que eu pintava a tela e depois, no final, acabava toda preta era desgastante, como se tivesse desaprendido a pintar. Tentei fazer exercícios de estudo baseados no Kandinsky, mas nada funcionava. Esse quadro preto que ficou desse processo, faz parte de um processo de cura. Depois descobri no livro “O Homem e seus símbolos”, do Jung e outros autores correlacionados, uma obra muita semelhante, com uma luz que surge na escuridão. Então percebi que essa tela é uma conversa com o inconsciente, é uma imagem recorrente nos processos de terapia através da arte.
Esse novo trabalho é o resultado daquela fase?
Não gosto da palavra “resultado”, eu prefiro processo e experiência. Pintei dos 18 aos 25 anos de idade, inspirada no arquétipo do pintor obcecado, e pintei até chegar ao ponto de querer sair do bidimensional e da solidão também. A pintura é uma arte totalmente solitária porque existe apenas você e a tela. É preciso essa solidão para a coisa existir; a coisa existe entre o artista e a tela. Então chegou um momento de crise com a linguagem onde comecei a questionar a pintura, que foi também o momento que comecei a ir para a leitura e, depois, comecei minha pesquisa de mestrado no Teat(r)o Oficina – o que foi uma imersão em outro universo, com elenco grande de 60 atores, durante a montagem de “Os Sertões”. Foi no teatro onde precisei sair de mim para vivenciar o nós, o coletivo. A pintura é uma arte solitária, uma das principais diferenças com cinema, não se faz cinema sozinho. Também comecei a estudar e trabalhar com montagem (audiovisual).
Sobre essa crise de linguagem, como assim? Fala!
Essa crise de linguagem foi grande porque, de repente, a gente percebe que a pintura não tem mais o mesmo espaço entre tantas linguagens, parece que foi banalizada. A arte contemporânea passou a contemplar outros tipos de artes visuais. Isso se percebe na academia, nas exposições, no próprio mercado, o é natural. É o que Walter Benjamim previa em seu ensaio “A Arte na era da reprodutibilidade técnica” (se referindo aos problemas com o movimento da arte na modernidade a partir da aparição dos novos meios de reprodução, como o cinema e a fotografia, ‘onde a mão do artista é substituída pelo olho e a máquina’). Mas, apesar da crise da linguagem, a pintura não perde sua força.
Isso quer dizer que a crise foi superada? Foi isso que te fez voltar?
Não. A crise continua. Ela nunca será superada, até porque a ideia não é essa. A pergunta é outra: Não é o porquê d’eu ter voltado, até porque eu nunca parei, tanto é que essa exposição agora (em dezembro) é resultado disso. Não acredito em processos estanques. Nesse tempo dirigi 2 curtas metragens, trabalho também com assistência de direção, mas a pintura sempre esteve aqui, sempre vai estar na minha essência. No cinema posso trabalhar com toda a bagagem da pintura, trazendo referências para arte e fotografia.Sobre a relação da pintura e cinema, escutei de uma professora de filosofia quando estive na Escuela ded Cine y TV (EICTV), em Cuba: “O desejo da pintura sempre foi o movimento”. Isso é formidável, outra diferença entre as linguagens e específico do cinema, são as imagens em movimento do cinema. Sempre penso que a pintura é a mãe do cinema – é o desdobramento natural da tecnologia. “...a pintura é a mãe do cinema – é o desdobramento natural da tecnologia”
Quando você pinta uma tela abstrata, você está de fato pintando algo abstrato?
Sim. Estou tentando escapar de representação. Busquei não ver nada, nem sugerir, trabalhando com a química das cores, da sobreposição das camadas, como se fossem emoções, mesmo. Como se estivesse me descascando em camadas (que imagem louca). Com 34 anos vividos intensamente, posso agora me jogar na tela. Pintar abstrato dá muito espaço pra transformar a dor em outra coisa, acredito nesse poder transformador da arte. Acredito na pintura como energia transmutada.Mas, uma coisa eu aprendi nesse processo: o quadro que inicialmente é abstrato, a partir do momento em que que insiro um traço (uma linha) horizontal na tela, tende à paisagem. Então, comecei a brincar com isso para sugerir a paisagem. Isso não quer dizer que se torna de fato uma pintura figurativa, apenas serve para causar um estranhamento. Até porque a tela não tem assinatura, a fim de que ela possa ser vista em diferentes posições.Quando comecei a fazer cinema, fui perguntada se ‘desisti da pintura’, e taí uma questão intrigante, mas que também acho um equívoco, porque uma coisa não exclui a outra. Então, a palavra também não é desistir porque nunca houve ruptura, ou troca. Se trata de uma continuidade.
As experiências que você adquiriu no cinema imprimem algo diferente neste novo trabalho?
Sim. Mas, são dois estados diferentes que eu preciso acessar. A produção de um filme requer outra dinâmica, envolve outros conhecimentos, uma hierarquia, um planejamento bem calculado. Na pintura sou o próprio processo criativo em si. Na pintura eu trabalho com a emoção pura a todo momento, na escolha da cor, na feitura da tinta, na pincelada que é a expressão do gesto, pinto com o corpo todo presente. A pintura é transe.,
Os filmes que você dirigiu tem ligação com a pintura?
O primeiro curta sim, declaradamente ‘baseado na pintura homônima de Piero di Cosimo’, se chama A Descoberta do Mel. Não tinha pretensão de contar uma história com narrativa clássica, o que queria era poder entrar na pintura, transpassar pela tela bidimensional para viver lá dentro aquela cena, o que aconteceria antes e depois. Essa foi a ideia do filme, que ficou muito plástico, finalizado em 35mm. Então foi a pintura que conduziu todo o filme.No curta Faca Amolada, a proposta foi outra, não tem ligação com a pintura como na Descoberta do Mel, mas a pintura do Caravaggio nos inspirou para iluminar algumas cenas.
Quantas telas pintou nesta fase?
28, todos pintados neste ano com exceção da primeira tela, que falamos agora há pouco, batizada de Maltz.Esse nome tem um sentido. Foi quando, logo que retornei de São Paulo à Brasília, em 2013, eu não tinha vontade de pintar mais, de jeito nenhum. E um amigo, o Carlos Maltz, insistiu muito para que eu voltasse a pintar e eu acabei acatando. Posso dizer hoje que tudo isso foi por causa dele. Aliás, dele e do Lourenço de Bem. A exposição é dedicada a eles. Aos dois.O Lourenço foi a outra pessoa que me incentivou muito para eu não ficar sem pintar, e foi quem me abriu o espaço do Atelier para eu fazer isso, ou seja, ele foi a base, o espaço físico além da total confiança no meu trabalho. E foi disso que surgiu alguma coisa. O Lourenço também me motiva a pinta, porque eu pinto sabendo que ele vai ver e entender... porque um pintor sabe que não é de um dia para o outro que se pode alcançar um efeito. Com o Lourenço eu consigo manter uma comunicação através da pintura.“A exposição é dedicada a eles (aos incentivadores) ”
E sobre a exposição, o que você tem a dizer?
Essa exposição para mim é uma experiência gestual cósmica, caótica, interestelar... uma desterritorialização do caos para o cosmos. Cada tela um novo cosmos, pulando de cosmos em cosmos. Fiquei três meses sem trabalho (na área de cinema) no início do ano. Foi neste período que comecei a experimentar o abstrato, comecei a gostar do que estava acontecendo e consegui fazer algo que eu nunca tinha conseguido fazer antes. Comecei a ver cada tela como uma joia porque, sei lá, foi como extrair mineral de um rochedo, algo que veio dos recônditos da minha alma. Eu espero mostrar isso nessa exposição. Eu acredito que um trabalho feito dessa maneira não pode ser visto apenas como um produto, mas como algo sagrado. Acho que um pouco do que estou dizendo tem muito do que aprendi com Zé
(Zé Celso do Teatro Oficina). Por causa do Zé, eu li Euclides da Cunha e quando eu falo que fui extrair esse mineral no meu interior, também estou falando de Ser Tão.
Por: Renata Coli, em 1 de dez. 2015
Foto: Randal de Andrade
A exposição acontecerá nos dias 10, 11 e 12 de dezembro, no Atelier Lourenço de Bem, na MI 8, Conjunto 02, Casa 18-B, Setor de Mansões do Lago Norte. Para ir visitar ou confirmar sua participação na abertura dia 10, basta encaminhar um E-mail para projoanalimongi@gmail.com,
ou ligar para (61) 9161-8838, (61) 3409-1453 ou (61) 3546-6822.