Integrantes do governo de Brasília, produtores culturais, artistas, religiosos e outros representantes da sociedade civil debateram nesta terça-feira (16) possíveis mudanças na Lei nº 4.092, de 2008, conhecida como Lei do Silêncio, que regula a emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no Distrito Federal. A discussão ocupou o plenário da Câmara Legislativa do DF durante toda a manhã e foi proposta pelo deputado Ricardo Vale (PT), autor do Projeto de Lei nº 445, de 2015, que pretende revisar a norma vigente.
Tenso na maior parte do tempo e permeado por vaias e aplausos, o debate apontou problemas no cumprimento da atual legislação, assim como no texto que propõe alterá-la. Artistas e representantes religiosos se queixaram sobretudo dos limites atuais para a emissão sonora, os quais consideram baixos, enquanto moradores reclamaram do não cumprimento dos parâmetros.
Integrantes do governo afirmaram que as atuais restrições à poluição sonora devem ser respeitadas, mas que algumas medidas podem facilitar a solução dos conflitos. "Esse Fla-Flu não interessa a ninguém. Temos de buscar uma legislação que atenda a todos — o que não se fará com paixão, mas com inteligência e estudo", alegou o secretário de Cultura, Guilherme Reis. "Só vamos resolver o problema se todos estiverem dispostos a ceder um pouco para chegarmos a um consenso", concordou o secretário de Turismo, Jaime Recena.
O governo de Brasília tem um grupo de trabalho para debater a poluição sonora, do qual participam agentes culturais e engenheiros acústicos. Reis deu exemplos de propostas discutidas no colegiado, como o estabelecimento de parâmetros diferenciados de tolerância conforme o local, o horário ou o dia da semana. O secretário do Meio Ambiente, André Lima, ressaltou que o Executivo local não é favorável à mudança da lei nem contra, mas que o objetivo principal é achar soluções que pacifiquem os conflitos constatados no dia a dia. Ele citou ainda a possibilidade de financiamento, por meio do Banco de Brasília, de melhorias de isolamento acústico nos estabelecimentos.
A presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Jane Vilas Bôas, esclareceu que o órgão não fiscaliza seletivamente, mas conforme o recebimento de denúncias. Ela contou que a maior parte das multas por poluição sonora aplicadas pelo instituto nos últimos anos foi para empreendimentos de Ceilândia, e a região com mais advertências é Taguatinga. Jane elencou ainda estabelecimentos comerciais e religiosos que, advertidos, fizeram adequações acústicas e evitaram a aplicação de penalidade.
DivergênciasO deputado Ricardo Vale reclamou da intolerância e do individualismo da sociedade, tanto por parte de moradores quanto de proprietários de estabelecimentos, e pregou o diálogo para a solução do impasse. "Existe um problema na cidade trazido por essa lei, e a gente precisa discuti-la", justificou o autor do PL 445, queixando-se do fechamento de bares, restaurantes e igrejas que ultrapassam os limites atualmente estabelecidos para a emissão de ruído. Ele salientou ainda que o projeto de lei pode ser alterado por outros parlamentares ao longo da tramitação.
"Esta lei nasceu de um projeto absurdo, sem discussão, e está afetando as nossas vidas", lamentou o pianista Rênio Quintas, lembrando da rápida tramitação da Lei do Silêncio, sancionada em 2008. A flautista Gabriela Tunes, do movimento Quem desligou o som?, apresentou levantamento segundo o qual muitas cidades do Brasil e do mundo adotam parâmetros de ruído mais elevados do que os aplicados em Brasília. "Isso mostra que não é nada fora de propósito sugerirmos um aumento no limite de decibéis",defendeu. "Reconhecemos o direito das pessoas de dormirem, de terem silêncio, mas proteger o incomodado não é amordaçar o emissor."
O físico e pesquisador em acústica ambiental Sérgio Garavelli frisou a necessidade de fundamentação e embasamento antes de qualquer alteração. "Não podemos perder de vista as pesquisas científicas e os resultados que elas indicam", afirmou, alertando que a Organização Mundial da Saúde indica que a poluição sonora deve ser tratada como uma questão de saúde pública.
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