Arthur Guimarães
Enviado Especial do UOL Notícias
No Rio de Janeiro
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Severino Silva, 51, fotografa há 23 anos para a imprensa carioca e há 11 está no jornal "O Dia"
Com um boné preto de couro na cabeça, com a aba virada para trás, Severino Silva, 51, descia em passadas rápidas o morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão, quando recebe um chamado da redação. “Prossiga”, responde no rádio. A pessoa no outro lado da linha avisa: após a tomada da região das mãos do Comando Vermelho, a polícia acabara de apreender uma metralhadora ponto 50 em um barraco de um então líder do tráfico na zona norte do Rio de Janeiro.
Reconhecimento
O inglês "The Guardian" considerou Severino Silva um dos melhores fotógrafos de crime do país
“Já fiz, já fiz”, responde ele, com todas as imagens registradas na máquina, já guardada na mochila. De quebra, adianta para os colegas em que lugar o armamento será apresentado: “Tem que mandar alguém para a Acadepol”, orienta. Há 23 anos fotografando para a imprensa carioca e há 11 em sua passagem atual pelo jornal “O Dia”, o fotógrafo natural de Pirpirituba (PB) está acostumado a sair na frente pela busca de informações que podem contar ao mundo, da forma mais bela possível, as cenas internas da guerra contra o narcotráfico na capital fluminense.
Conhecido pelo nome e conhecedor das alcunhas dos principais policiais do Rio, Silva se especializou em fotografar imagens de crime e já ganhou vários prêmios com seu trabalho. O jornal inglês “The Guardian” considerou Silva um dos melhores fotógrafos de crime do país. Muito de seu respeito –e posicionamento privilegiado–, vem de seu jeito tímido, quieto e respeitoso, que agrada autoridades, policiais e muitos colegas de profissão. Nesta entrevista, ele conta que chega a acordar às 3h30 para acompanhar operações no início da manhã e que “está só começando”.
UOL Notícias: Qual é o principal desafio do seu trabalho?
Silva: É não perder a foto. Você tem que superar a dificuldade de chegar atrasado. Na fotografia, se você chegar depois do fato, não adianta. Já era. A coisa não vai acontecer novamente para você fotografar. Por isso, eu sempre cheguei cedo na redação, bem antes do meu horário. É para verificar se meu equipamento está todo certo. Se você está correndo, a chance de esquecer algo é bem maior. O pessoal diz que eu carrego muito peso. Realmente é muito pesado. Carrego lente, bateria, maleta de primeiro socorros, água, capa de chuva. Está sol, mas o tempo muda e começa a chover, e eu estou aqui em cima na favela. Tem que estar preparado.
UOL: Como você sabe o que fará no dia?
Silva: Não tenho hora para acordar, pelo seguinte: dependendo da apuração do jornal, se tiver pauta quatro horas da manhã, operação programada, o carro passa lá em casa 3h30. Não tem horário certo, pois as operações podem acontecer bem de manhã, para pegar os bandidos desprevenidos. O meu horário certo seria 7h, e eu já acordo todo dia 5h30. Mas é em função do jornal, eles me avisam.
UOL: O que é mais importante ao subir um morro dominado pelo tráfico ao lado da polícia?
Silva: A primeira coisa é manter a calma. Não se apavorar. Não ficar correndo de um lado para outro. Isso pode acabar te colocando em risco. Tem que pensar o que irá fazer, onde estará, em que lugar vai encostar, se segura tiro de fuzil ou não. Se você estiver seguro que vai entrar, entra. Caso contrário, fica. E não pode ficar falando. Se você está falando, não está prestando atenção. Não dá para conversar. Tem horas que não dá para atender o telefone, nem se for da redação. Não atendo.
UOL: Por que você é tão respeitado?
Silva: Você sempre procura fazer o seu trabalho sem atrapalhar o trabalho de ninguém. Se ele (o policial) diz que não é para entrar em determinado beco, eu não vou entrar. Posso até dar a volta pelo outro lado, e tudo bem. Mas se ele pediu para não ir ali, eu não vou. Eu respeito o trabalho dele. Ele está proibindo a passagem cumprindo a ordem de alguém. Eu respeito. Não vou ficar batendo boca. Eu tenho direito de fazer o meu serviço e, ele, o dele. Então eu tento dar a volta. Respeitei o trabalho dele, e fiz o meu. Muitas vezes, depois, o policial me vê do outro lado, e diz: “Não tem jeito não, né?”. Mas ele não liga, pois eu respeitei ele.
UOL: Os traficantes não podem pensar que você está do lado policial?
Silva: Quando eu entro, parceiro, eu entro quando o tiro está rolando. O traficante não é burro. Ele sabe que eu estou trabalhando. Cada um tem o seu trabalho. Eles respeitam.
UOL: Você tem medo de morrer?
Silva: Medo de morrer todos nós temos. É o que nos mantém vivo. Se você disser que não tem medo de morrer, tudo bem. Eu tenho. Já passei várias dificuldades. Inclusive aqui, no Alemão, em um tiroteio e pessoa foi baleada perto de mim. Você tem que ter muita cautela. Estou só começando.
UOL: Qual favela é mais perigosa?
Silva: Todas são perigosas. Se tem arma, corre risco de tiro, tem perigo.
UOL: Como você se especializou em cobrir crime?
Silva: Quando eu entrei em jornal, fazia de tudo: esporte, política e polícia. Era tudo uma coisa só. Depois, dividiram por editorias: esporte, caderno cultural e geral, que engloba cidade e polícia. Como meu horário era sempre na parte da manhã, eu acabei pegando o horário das 7h. E tinha muita pauta de polícia nesse horário. E eu fui fazendo, fazendo. E sabe aquele ditado antigo: “time que está ganhando não mexe?” Espero que esteja ganhando, mas pelo menos até agora ninguém me mandou para o banco.
Severino Silva.
Ao escrever sobre Severino Silva não tem como não relembrar de grandes mestres de ontem que em suas trincheiras empunhavam suas máquinas como verdadeiros francos atiradores. “Se as tuas fotos não são suficientemente boas, é porque não estás suficientemente perto” já dizia Roberto Capa. O poeta e escritor João de Mello Neto certa vez disse “Fotografar é afiar a navalha nos olhos” Não tem como não viajar no imaginário do fotojornalismo conhecendo o trabalho de Severino Silva. E como se ele tivesse uma senha pra descer e subir os morros de uma das cidades mais violentas do século XXI que há décadas está em conflito urbano.
“Onde eu nasci não tinha luz elétrica. Ao som do sopro do vento, olhava para a luz da lua e das estrelas e tentava reproduzir esse ambiente nos meus desenhos”.
Severino nasceu em Pirituba na Paraíba aos 10 anos. Ele mudou-se para o Rio de Janeiro, onde habituou-se a apreciar fotos dos jornais nas bancas da cidade. Foi no jornal o Globo como contínuo que teve sua primeira oportunidade. Com a primeira grana que ganhou comprou uma Nikkormat. Depois do Globo passou pelo Jornal Fluminense, O Povo e a Notícia. Atualmente esta no jornal O Dia.
Com 53 anos de idade e 22 anos de profissão, o fotografo tem nas questões sociais e na ética a matéria–prima de sua documentação jornalística, principalmente nas coberturas de conflitos urbanos das favelas cariocas. O Olhar de Severino e apuradíssimo, Sua sensibilidade e extremamente dosada pela sua simplicidade, pela ética e o caráter. Severino Silva é um “War Photographer”
Curadoria:
Ivaldo Cavalcante.