Em 2014, o governo federal deixou de pagar R$ 320,5 milhões às empresas envolvidas em esquemas de corrupção investigadas pela operação da Lava Jato.
Os recursos se referem ao pagamento de obras ou serviços já executados pelas empreiteiras e reconhecidos pelo governo, mas que ficaram parados na boca do caixa. Como não foram pagos, os valores foram inscritos como restos a pagar processados em 2015.
Em outras palavras, os restos a pagar processados representam as despesas públicas liquidadas, ou seja, nas quais o serviço que deu origem a esse gasto já foi efetuado e reconhecido pelo ordenador de despesas, faltando, apenas, o desembolso efetivo do dinheiro (pagamento).
Do total de restos a pagar processados tranferidos para esse ano, R$ 293,3 milhões são referentes a serviços prestados em 2014. Os outros R$ 27,2 milhões foram reinscritos, isto é, referem-se a empreendimentos finalizados em anos anteriores.
O levantamento realizado pelo Contas Abertas não leva em consideração contratos que estão em curso com a Petrobras e outras estatais, contratante de boa parte dos serviços das empreiteiras investigadas.
Além disso, só se refere aos compromissos do govero federal com as empresas, excetuando, assim, estados e municípios. À Construtora Queiroz Galvão, o governo deve R$ 105,9 milhões, o maior montante entre as empreiteiras.
O valor é composto praticamente por obras e serviços que não foram pagos em 2014. A maior parcela, R$ 85,5 milhões, é relativa às obras de integração do Rio São Francisco com as Bacias dos Rios Jaguaribe. De anos anteriores, o governo deve apenas R$ 195,6 mil à empresa.
A Construtora Norberto Odebrecht virou o ano com R$ 91,2 milhões para receber do governo federal. O valor inteiro é referente a empreendimentos entregues em 2014. O montante ser refere à implantação de estaleiro e base naval para construção e manutenção de submarinos convencionais.
A Constran, empresa da holding UTC, é a terceira com maior crédito com o governo. A ela, o governo pode pagar, em 2015, R$ 47 milhões decorrentes dos restos a pagar. Do total, R$ 20,6 milhões vem de anos anteriores a 2014. Entre os restos a pagar processados inscritos está a adequação de trecho rodoviário de Porto Alegre a Pelotas, no Rio Grande do Sul (R$ 10,3 mil), e a construção da ferrovia norte-sul (R$ 16,1 milhões).
O presidente da Constran, João Santana, acusou o governo Dilma de usar a operação Lava Jato como desculpa para atrasar o pagamento das empreiteiras envolvidas no caso. “O governo está usando essa coisa de Lava Jato para aproveitar e não pagar ninguém. [...] Eu tenho quase 60 anos e nunca vi um governo numa situação como essa. Ele não paga fornecedor,” disse ele ao jornal O Estado de S. Paulo.
Com o adiamento dos pagamentos de obras e serviços prestados em 2014 e a falta de pagamento das obras que ainda estão sendo tocadas – além das dúvidas sobre as consequências das apurações da Lava Jato – as empresas financeiramente inseguras, com dívidas que vencem no curto prazo e bancos que fecham a torneira do crédito.
A OAS foi a primeira a sentir tais efeitos e já jogou a toalha. A empreiteira, para qual o governo deve R$ 11,5 milhões, inscritos nos restos a pagar processados de 2015, deu calote de R$ 130 milhões ao deixar de pagar juros e dívidas que venciam em janeiro, mesmo com R$ 1 bilhão em caixa.
De acordo com a agência de classificação de risco Fitch, que rebaixou a nota da empresa duas vezes em menos de uma semana, a OAS tem a situação mais complicada entre as investigadas pela Lava Jato.
Por conta de dívidas de aproximadamente R$ 2 bilhões, que vencem até 2016, é alto o risco de que o esse caixa seja consumido rapidamente, já que grandes altas não são previstas: a OAS não vem recebendo pelos projetos em parceria com a Petrobras.
Com esse cenário, a previsão é de que a maior parte das empresas com o caixa afetado após a operação Lava Jato entrem com pedido de recuperação judicial. De acordo com o especialista em Direito Tributário e professor da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Zilveti, essa é a alteranativa mais viável para ganhar tempo e negociar com credores e fornecedores. “Dificilmente conseguirão vender seus ativos a preços competitivos para fazer caixa”, explicou ele.
A ameaça de venda de ativos, bem como demissões em massa e paralisação das obras, para o professor, pode ser interpretada como uma espécie de “chantagem” das empresas para que o governo intervenha nos processos judiciais.
Se realmente houver venda, a Fitch espera que alguns ativos das construtoras, embora bastante valiosos e com interessados, sofram descontos em seu valor, por causa da conjuntura negativa que enfrenta as empreiteiras.
Restos a pagar não processados
Considerados os valores combinados em todos os contratos celebrados entre a União e as empreiteiras, a dívida chega a R$ 1,2 bilhão. O aumento se deve em razão dos restos a pagar não processados, aqueles que tiveram as despesas empenhadas, reservadas no orçamento para gasto futuro, mas não foram liquidados, ou seja, não há o reconhecimento do governo quanto à prestação de serviço.
As despesas direcionadas as empreiteiras investigadas pela Lava Jato, que ficaram paradas na fase do empenho em 2014, somam R$ 881,5 milhões. Do montante, R$ 590 milhões foram inscritos do ano passado nos restos a pagar não processados de 2015 e R$ 291,5 milhões de anos anteriores.
O Ministério da Fazenda, em nota enviada ao jornal Valor Econômico, disse que R$ 38,8 bilhões já foram pagos em restos a pagar em janeiro deste ano. Contudo, o órgão não dispõe de informações sobre pagamentos e créditos específicos das empresas em questão, já que este detalhe estaria no âmbito dos ministérios em que as despesas foram realizadas. - Fonte: http://www.contasabertas.com.br/