O texto abaixo foi publicado na Ilustrada de 28/4 por Silas Martí.Fonte:http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/
Miguel Rio Branco faz uma fotografia suja –às vezes de tinta, às vezes de sangue. E quase sempre encharcada de sexo e suas pegadas viscosas.
Isso porque nas mãos e na cabeça do artista fotografar nunca foi um ato estanque. Está preso à transparência do cinema, como ele costuma dizer, e sempre foi extensão da pintura, por bem ou por mal.
Numa grande mostra agora na Estação Pinacoteca, em São Paulo, Rio Branco revê toda a sua obra plástica em chave metamórfica, de seus primeiros experimentos com a pintura dos anos 1960 às suas instalações mais recentes, com projeções de fotografia sobre tecido e estranhos objetos metálicos.
Na raiz de tudo, parecem estar duas de suas séries mais célebres, uma mostrando a zona do baixo meretrício nos arredores do Pelourinho, em Salvador, e a outra em que retrata lutadores de boxe como se fossem estátuas barrocas, tingidas de sangue, numa academia da Lapa, no Rio.
Nos dois casos, são bairros boêmios, com uma arquitetura parecida. “Eles têm aquela coisa meio marginal”, diz Rio Branco, 68. “Isso é muito da minha identidade. Sem ter uma raiz fechada, ainda me sinto um marginal.”
Estranho ouvir isso da boca de um dos artistas mais consagrados e celebrados do país. Mas Rio Branco ataca o que chama de “exageros conceituais” na fotografia, que para ser aceita no meio das artes visuais carece, na opinião dele, de um discurso carregado, que afoga a imagem.
O fotógrafo despreza leituras conceituais da própria obra. Suas fotografias se mostram cruas, escancaram aquilo que retratam sem cerimônia ao mesmo tempo em que arquitetam uma visão saturada da realidade.
“Negativo Sujo”, uma das primeiras séries do artista, que não era exibida desde os anos 70, é um exemplo. São imagens coladas em folhas de papel suspensas do teto, de carcaças de vacas a prostitutas com os seios à mostra.
“É uma coisa brasileira, violenta e sexual ao mesmo tempo”, diz Rio Branco. “Essa série é a imagem da pobreza, da dureza, o bangue-bangue brasileiro, onde o país aparece mais cru e doído.”
Mas há sedução na dor e na crueza. Outra sala da mostra, também com imagens do Pelourinho e da Lapa, fica mergulhada na escuridão, iluminada por fracas lâmpadas que pendem do teto, e cheia de espelhos trincados.
Uma canção de cabaré, na voz de Fred Astaire, inunda a sala, e as fotografias vão para um segundo plano, com os reflexos dos espectadores tomando a dianteira nos espelhos estilhaçados pelo chão.
“Isso tem a ver com o cinema e com o teatro. Meu trabalho é híbrido”, diz o artista. “Já me disseram que faço música com a minha fotografia. Eu tento é criar ritmos.” E eles vão do pancadão sangrento das primeiras salas da mostra, de pugilistas e carcaças, à melancolia mais lírica dos últimos ambientes.
Lá estão imagens de tubarões impressas sobre retalhos de seda, que balançam com o passar dos visitantes, e imagens que ele fez em Tóquio, de meninas, plantas e bares de karaokê quase sempre dominadas por tons de azul.
“É outro o clima”, diz Rio Branco. “Não tem nada de violência, mas todas as obras se conectam por uma intensidade interna, dramática.”
TEORIA DA COR – MIGUEL RIO BRANCO
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 17h30, qui., das 10h às 22h; até 19/7;
ONDE Estação Pinacoteca, lgo. Gal. Osório, 66, tel. (11) 3335-4990;
QUANTO R$ 6