SOBRE O FILME "RIZE"
Surgida na parte Sul do Centro urbano de Los Angeles, uma dança de estilo livre, expressiva e bastante energética dominou a cena Break, plena de movimentos vigorosos, da cintura e dos braços – é o Krumping. Nas “batalhas”, ou seja, disputas entre dançarinosexistente desde o início do hiphop, o Krumping inclui uma noção própria de performance evolutiva. O estilo Krump renovou este princípio, acrescentando maior vigor no balanço da cintura e peitoral, num gestual de desacato e competição de agressividade (conhecida como “buck moves”). Como ocorreu com o rock e o funk, a sensualidade da dança também causa polêmica, mas neste caso é uma coreografia “stripper” mesmo, tirada das boites de mulher pelada – uma parte disso entra na dança, como parte do jogo Krump.
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A pintura das faces está ligada ao “clown”, arte circense dos palhaços da tradição medieval européia, idéia fundamental para a cultura Krump. No contexto norte-americano foram famosos os circos que espalharam a cultura da música blues, com encenações humorísticas com pretos (ou brancos de face pintada) desfazendo-se dos fazendeiros escravocratas. Apesar das referências negras, maior efeito causaram os caracteres clown, sólido berço do palhaço Bozo. Nariz vermelho, pinturas na boca e nos olhos, cabeleira arrepiada e sapatões gigantes, roupas largas – muitas cores. A estética do clown fluiu e recentemente esteve presente nos video-clipes de Miss Eliot e nas filmagens do documentário Rize.
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...... Os “krumpers” atuais preferem usar pinturas africanas, comuns em algumas comunidades daquele continente. A história dos negros norte-americanos costuma fazer referências contundentes a procedência africana, inclusive, já ultrapassaram a fase afro-americana e atualmente denominam-se africanos-americanos. Operam com simbolismos gestuais de tribos africanas, danças de guerra. São elementos, portanto, valorizados, escolhidos e tirados da cultura pagã. Contraditoriamente, Tight Eyez, nome de um dos principais professores e incentivadores deste estilo, prega o cristianismo como elemento espiritual para a dança Krump. Usa uma noção de engajamento religioso através da dança, a qual faz abrir o “Reino Radicalmente Inspirado e Poderoso da Oração”.
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...... As primeiras músicas dedicadas a este estilo foram “Shake City” and “Get Ya Krump On”, que deram impulso a indústria pop do Krump, idealizadas pelo produtor Wendell C. Wellman do estúdio ShakeCity 101. Inserido na cultura hip hop, o Krump teve um grupo fundamental para dar originalidade ao estilo, Tha J-Squad, que se dedicou a dizer como deveria ser. O trabalho restante foi motivado pelo próprio dançarino Tight Eyez, que também produziu suas faixas sonoras, para uma dança espiritulmente motivada. O Gangsta Rap de Nova Yorque e o Grime também marcam presença. Dentro da noção de Rap para B-Boys, a sonoridade Krump faz uso de um compasso mais rápido, de letras e tonalidades agressivas, mas ultimamente são retiradas as letras, trocadas por instrumentais.
Para conhecer um pouco, clica aqui: GRIME.
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...... No lugar de Crews, já antigas no hip hop, os grupos ligados ao estilo Krump usam a noção de famílias, ou “fams”. As Famílias são organizadas entorno de um B-Boy veterano, capaz de servir de elo espiritual e instrutor de dança, que eles chamam de “Big Homie” – que oferecem uma graduação de acordo com a técnica e jeito de cada um, numa noção de hierarquia. São as graduações, da mais alta ao nível básico: Twin [Homie], Junior [Homie], Lil [Homie], jovem, criança, bebê, ou algo parecido. O nível Twin é dado a quem é capaz de ajudar e desenvolver o estilo de um outro membro da Família. Não há um padrão de dança fechado, mas o Homie é responsável por tudo, desde problemas sociais aos passos e estilos criados por seus seguidores.
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...... A origem da dança é atribuída a certas pessoas africanas, que formaram uma Comunidade Crump e tiveram um encontro no México para formar esta dança. É curioso, nas fontes consultadas não falam de onde eram, de que parte da África? Um continente imenso, com pessoas tão diversas, africanos de cor de pele preta, mas também moreninhos e brancos... Nebuloso, mas é tradição derivar a cidadania entre brancos, nativos, latinos, e a lógica black - o lugar de procedência dos escravos pretos é o continente africano generalizado. Oprimidos pelo passado e pelo presente - surge o segmento de expressão black na mídia. Filmes famosos fizeram o Krump fluir. O início foi através do DVD Shakecity 101, dos produtores Mark St. Juste e Wendell C. Wellman, lançado em 2003. Outro documentário fundamental com a cena de Los Angeles foi criado por David LaChapelle, em 2005, com o nome Rize, mostrando a contra-cultura do B-Boy palhaço e sua “clown dancing”, onde figuram nomes como Royal, Loyal, Phanatik, Gutta, Skust, and Knockout Kid. Aparecendo em reality shows ou episódios dos Simpsons, com Bart Simpson botando pra quebrar – o Krump estrelou na TV.
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...... O filme Rize é emblemático. Somos guiados pelo diretor David LaChapelle ao encontro de alguns eventos marcantes daquilo que podemos chamar de insurgência anti-racista nos Estados Unidos. Quando foram assassinados Malcom X e Martin Luther King, o racismo de Estado foi apontado como responsável pela dupla tragédia. Nesta ocasião ocorreu o levante de Watts (1965), bairro negro de Los Angeles, uma reação enfática contra a perseguição por cor. Até esta época, existiam bairros para separar os negros do resto da sociedade, como fizeram com judeus, comunidade da qual deriva a palavra gueto. A fúria se alastrou sobre as residências dos brancos, os comerciantes, os policiais, as diferentes instituições públicas e privadas dominadas pela maioria branca, onde um olhar discriminador pudesse ser apontado. Tomados de revolta, quebradeiras e incêndios também marcaram o segundo evento, a reação do povo ao assassinato de Rodney King, um negro de Los Angeles. A TV levou ao ar a filmagem do espancamento, que chocou o ano de 1992 e serviu de base para diversas manifestações, políticas e culturais. Além dos versos de Cop Killer, de Body Count, que escandalizaram a sociedade nesta época, também daí a dança krump ganhou espaço.
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...... Por outro lado, uma perspectiva salvacionista é parte da trama do hip hop em Rize. Tommy The Clown é o personagem central, tipo “celebridade do gueto”, que na vida passou pelo mundo das drogas. Como traficante terminou preso, o que marcou sua firme decisão ajustar sua conduta. Sem emprego ou perspectivas, vestiu-se de palhaço e partiu como animador de festa infantil. Apegou-se ao protestantismo e fez uso dos aconselhamentos de Martin Luther King, ao menos é como surge na voz de uma das crianças entrevistadas: “Seremos alguém, ficaremos de pé, não importa como” (“We’re gonna be somebody, we’re gonna rise no matter what.” Daí saiu, também, o nome do filme, rise com z.) Apesar de sua tentativa de politizar a cena, com as imagens dos piores pesadelos do racismo norte-americano, sua reação ocorreu no plano da indústria do hip hop e a busca pelo negro “autêntico”. O “autêntico negro” é rebelde, instintivo, não encontra os melhores empregos, salários ou moradias. Por outro lado, é este o tipo que inova a música e a dança norte-americanas, seu espaço no segmento black music. Se o instinto é traidor, a igreja protestante norte-americana está sempre aberta para tratar da alma deste sujeito rebelde e oprimido, para levantá-lo.
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...... Deixemos a questão religiosa de lado, para dar atenção ao tema: uma nova dança. Se o hip hop pouco se modifica, ao menos suas variações servem para pensar. Uma combinação de musical pesado, letras hilariantes e expressão artística da dança de rua... O que é isso? Certamente, falamos de uma inovação e o quanto esta novidade é envolvente, capaz de trabalhar identidades. Mais que em outras comunidades negras, foi na parte sul do Centro de Los Angeles onde a linguagem primeiro fluiu. O filme Rize ganhou aquela comunidade, percorreu os traumas dali, do racismo e da juventude rebelde, atribulada. Preocupação de todas as mães pobres dali, o movimento propõe auto-estima, numa entrada altiva para a criançada estar presente, de forma saudável e previnida dos “perigos do gueto”. As drogas em especial. O estilo Krump une essas propostas através de figuras próximas. A própria garotada como protagonista, fazendo o que mais gosta dentro da cultura hip hop.
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Tommy The Clown está no centro da cena Krump, cultura que se globalizou tendo como foco central as crianças e os palhaços. Através de uma dança crua, natural e plena de liberdade na expressão corporal, o movimento pretende o “make a difference”, fazer a diferença entre os jovens em situação de risco, molecada dos guetos. O evento The Battle Zone foi criado para desenvolver o Krump, é realizado uma vez por ano no Japão, e Tommy conta com a presença de astros, como Snoopy Dog, seu apoiador e amigo. Sua crença neste movimento está sustentada na dança, num estilo livre capaz de dar forças, “empower”, fazer a juventude canalizar suas energias, revoltas e paixões para a dança de chão. Por tudo isso, vale ir na locadora mais próxima e dar aquele confere no documentário. Chega de blá-blá-blá.
Filme: Rize - 2005; Classificação: M; Duração: 86mins; Genero: Documentário; Diretor: David Lachapelle; Produtor: David Lachapelle; Música: Music Supervisor - Jonathan McHugh; Original Music - Red Ronin Productions; Original Score - Amy Marie Beauchamp and Jose Cancella; Distribuidora: Hopscotch;Linguagem: English; País: United States;
Local: Galeria Olho de Águia
Data:16/09- Terça-Feira. Partir das 22h