Marcelo Semer
De São Paulo
A grande imprensa tem disseminado a informação de que com a entrada em vigor da nova lei de prisões, mais de cem mil detentos serão imediatamente colocados em liberdade.
O alarmismo salta aos olhos e contribui apenas para alimentar um pânico injustificável.
As portas das cadeias não se abrirão neste patamar e o sistema penitenciário brasileiro continuará com a superlotação de seus cárceres por mais tempo.
A lei de prisões veio para corrigir algumas distorções inaceitáveis, mas ainda está envolta em certa desinformação.
Só deverá ser solto, quem já não deveria estar preso. Mas se isso vai acontecer mesmo, só o tempo e os tribunais nos dirão.
A principal inovação da lei é meramente formal.
Explicita uma norma que já estava integrada no sistema criminal. Toda prisão em flagrante deve ser imediatamente convertida em prisão preventiva, se preenchidos os seus requisitos.
Em resumo, ninguém deve continuar preso sem que o juiz assim o decida expressamente -uma lógica que só deixa para trás a prisão pela inércia.
A nova lei proíbe a decretação da prisão preventiva apenas nos casos em que a pena máxima do crime não ultrapasse quatro anos, sendo o réu primário.
Seria por acaso algum escândalo?
O Código Penal já prevê há mais de uma década, que condenados não reincidentes, a penas de até quatro anos, em crimes sem violência ou grave ameaça, devam receber penas alternativas.
Se depois de condenado, o réu certamente será inserido em programa de prestação de serviços à comunidade, por que motivo deveria ser mantido preso, enquanto ainda não se afirmou a sua culpa?
A prisão nestes casos é simplesmente desproporcional, uma perversão que provoca violações graves de direito.
Grande parte dos beneficiários da nova lei serão os acusados de pequenos furtos, que muitas vezes não recebem a liberdade provisória, por que não conseguem provar com documentos idôneos, residência fixa ou ocupação lícita. Presos, todavia, alimentam um sistema injusto e desigual.
Os crimes graves, de outro lado, têm penas máximas superiores a quatro anos, e, portanto, em relação a estes, a prisão continuará possível, se necessária.
Roubo, extorsão mediante sequestro, homicídio, estupro, tráfico de entorpecentes ou tortura. Crimes contra a administração pública, como o peculato, concussão, as diversas formas de corrupção e até lavagem de dinheiro. Todos estes delitos estão fora das proibições de prisão da nova lei, que mantém, inclusive, a preventiva nos casos de violência doméstica.
Qual o motivo do alarde, então?
Quarenta e cinco por cento dos presos no país ainda não foram definitivamente julgados. Vários acabam absolvidos ou submetidos a penas alternativas. São aqueles que, segundo o jurista Eugenio Zaffaroni, são condenados basicamente pelo Código de Processo.
Faz sentido manter um sistema em que os réus sejam tratados como culpados até prova em contrário?
Mas a lei 12.403/11, é bom que se diga, não é apenas de prisão.
Sua novidade é a criação de uma série de medidas cautelares que visam eliminar a dicotomia prisão ou liberdade no processo penal -como a proibição de frequentar determinados lugares, obrigação de manter distância de testemunhas ou a suspensão de função pública e atividade econômica.
Aumenta, enfim, o leque de alternativas à disposição do juiz criminal no curso de um processo.
Revigorou-se o instituto da fiança, ampliando os casos em que poderá ser concedida pelo próprio delegado. Além de aumentar consideravelmente os valores, em especial para casos de réus abonados, embora não sejam eles os clientes mais assíduos do sistema criminal.
A lei corrige, por fim, uma distorção que dura mais de vinte anos.
Ainda que o sistema previsto pela Constituição considere a liberdade como regra e a prisão exceção, na prática isso não se verifica.
A maioria dos processos se inicia justamente com a prisão e aos réus é exigido que demonstrem o direito à liberdade provisória.
O paradigma da lei procura inverter o mecanismo: provisória não é a liberdade, mas a prisão antes da sentença. É esta que deve ser justificada.
Não há motivos para alarmismo.
O máximo que a lei pode provocar é um pouco mais de justiça.
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