"Plínio Marcos"dramaturgo, ator, jornalista, tarólogo, camelô de seus próprios livros, técnico da extinta TV Tupi, jogador de futebol e palhaço.

20/05/2019 21:44

 

CENSURA

“Todo mundo queria texto meu. E o Ginaldo de Souza, que dirigia o Teatro Jovem, do Rio de Janeiro, também quis. Chamou o Luís Carlos Maciel pra dirigir a Barrela. Depois de um mês de ensaio, a Censura proibiu a peça. Foi convocada a classe teatral, os críticos do Rio e de São Paulo escreveram pedindo a liberação, depois de assistir à peça em sessões clandestinas. (Fizemos três, com o teatro cercado por policiais.) Pareceres importantes como esses e outros foram enviados ao então Ministro da Justiça, Gama e Silva. De nada adiantaram os argumentos. Era março de 68, e o ministro proibiu a peça. Doeu em mim essa proibição mais do que todas as das outras peças. Doeu, mas não me desanimou.
Em 1969, em Brasília, conversando com um figurão da Censura Federal, ele me disse que o caso Barrela poderia ser revisto, desde que houvesse possibilidade de ele assistir a um ensaio. Acreditei. Santa ingenuidade! O Ginaldo de Souza, testemunha dessa conversa, também acreditou, mas não tinha condições de produzir a peça na ocasião. Vim pra São Paulo, contei a conversa pra uns amigos, que resolveram produzir a peça. Convidaram o nosso querido Alberto D´Aversa pra dirigir.


Plínio Marcos - Paco Maluco

E em junho de 69, com a peça prontinha, procuramos o figurão da Censura pra assistir ao ensaio. E o homem simplesmente negou tudo, negou ter prometido alguma coisa a mim. A peça continuou proibida. E todos nós sofremos.”
[No dia 3 de Agosto de 1968, o jornal Folha de São Paulo publica: A situação de Plínio Marcos é a seguinte: trabalho dele que chega em Brasília, antes mesmo de ser lido, os censores dizem: Plínio Marcos? Proibido. Após o ano de 1968, o teatro de Plínio Marcos era sistematicamente censurado. Até mesmo 
Dois Perdidos Numa Noite Suja e Navalha na Carne, que já haviam sido apresentadas em diversas regiões do país, foram interditadas em todo o território nacional. Na década de 70, Plínio Marcos era o próprio símbolo do autor perseguido pela censura. Era considerado um maldito, que incomodava a ditadura e a Censura Federal. Foi preso pelo 2º Exército em 1968, sendo liberado dias depois por interferência de Cassiano Gabus Mendes, então diretor da Televisão Tupi. E, em 1969, foi preso em Santos, no Teatro Coliseu, por se recusar a acatar a interdição do espetáculo Dois Perdidos Numa Noite Suja, em que trabalhava como ator. Foi transferido depois, do presídio de Santos, para o DOPS em São Paulo, de onde saiu por interferência de vários artistas e sob a tutela de Maria Della Costa. Além dessas prisões, foi detido para interrogatório em várias ocasiões.]
“De repente, todas as minhas peças foram proibidas. Por quê? Ninguém dizia coisa com coisa. Um filho-da-puta de um censor, num dia em que eu perguntei por que todas as minhas peças estavam proibidas, ficou nervoso: 
- Porque suas peças são pornográficas e subversivas.
- Mas por que são pornográficas e subversivas?
- São pornográficas porque têm palavrão. E são subversivas porque você sabe que não pode escrever com palavrão e escreve.”
“O palavrão. Eu, por essa luz que me ilumina, não fazia nenhuma pesquisa de linguagem. Escrevia como se falava entre os carregadores do mercado. Como se falava nas cadeias. Como se falava nos puteiros. Se o pessoal das faculdades de lingüística começou a usar minhas peças nas suas aulas de pesquisas, que bom! Isso era uma contribuição para o melhor entendimento entre as classes sociais.”
“Eu escrevo histórias. Eu tenho histórias pra contar. Mas, tudo o que escrevo dá sempre teatro.” “Eu sempre escrevi em forma de reportagem. As minhas peças não têm ficção, sabe? Eu escrevo, desde 
Barrela, reportagens.”
“Eu, há dezessete anos [1973], sou um dramaturgo. Há dezessete anos pago o preço de nunca escrever para agradar os poderosos. Há dezessete anos tenho minha peça de estréia [
Barrela] proibida. A solidão, a miséria, nada me abateu, nem me desviou do meu caminho de crítico da sociedade, de repórter incômodo e até provocador. Eu estou no campo. Não corro. Não saio. E pago qualquer preço pela pátria do meu povo.]
LITERATURA


“Eu fui escrever literatura porque a censura não estava liberando nenhuma peça minha. O Querô ia ser mais uma peça de teatro. [Uma Reportagem Maldita – Querô, publicado em 1976, ganhou o Prêmio APCA de melhor romance desse ano.] Só escrevi em forma de romance porque não achei que iria passar na censura. Tanto é que ele está adaptado para teatro. Dentro da Noite, outra novela para televisão, também foi proibida. Nas Quebradas do Mundaréu é conseqüência das historietas que escrevi na Última Hora. Virou um livro.”
[Desde 1968, tinha uma coluna diária no jornal Última Hora, SP, no qual trabalhou até 1978, não ininterruptamente. Assinou também uma coluna nos jornais Diário da Noite, Folha de SP, Movimento, Diário Popular, Jornal da Orla, entre outros; escreveu crônicas sobre futebol na revista Veja (1975/76), além de colaborações para outros jornais e revistas. Escrevia contos, reportagens, entrevistas, crônicas sobre vários assuntos.]

Autografando

“E o Inútil Pranto, Inútil Canto para os Anjos Caídos são contos.” [Escreveu ainda outro conto, O Assassinato do Anão do Caralho Grande, que também adaptou para teatro. Publicou ainda outros livros de pequenos contos ou relatos autobiográficos: Prisioneiro de uma Canção, Canções e Reflexões de um Palhaço, Figurinha Difícil, O Truque dos Espelhos.]
“A Barra do Catimbó, que é outro romance meu, também foi proibido como novela de televisão.” [Começou a escrever histórias da Barra do Catimbó em jornal, antes de lhes dar a forma de romance.] “Pra evitar esculacho, criei a Barra do Catimbó, onde passei a fazer acontecer todos os salseiros. E, aos poucos, me apaixonei pela Barra do Catimbó. Fui criando personagens que, de início, eram baseados nos tipos que conheci na minha cidade querida, mas que, aos poucos, foram crescendo, ganhando características próprias e, acreditem ou não, se formavam sozinhos, indiferentes à minha influência. Mestre Zagaia e os ensinamentos da sua Tabuada das Candongas, colhidos nos estreitos, esquisitos e escamosos caminhos do roçado do bom Deus. Nega Bina Calcanhar de Frigideira, que no começo era só mulher do crioulo Catimbó, fundador da Barra, e que ganhou importância quando mataram seu marido. Oscarino Vaselina, eterno candidato a vereador, Seu Olegário, Seu Azulão, Mané Cheiro de Peixe, Mãe Begum de Obá, Chupim, Pé de Bicho, Intrujão Guegué, Bolinha do Mobral, Dona Cotinha Fofoqueira, Quim Ilhéu, Azevedo do Apito, Valdo Camelô, Catulé Sambista, e tantos outros.” “Eu os amo por serem frágeis diante dos duros combates do dia-a-dia, mas que não se rendem nunca. Porém (e sempre tem um porém), o que quero dizer e o que pesa na balança é que já pensei, e penso muito, chego a ser atormentado por essas figuras, em meter tudo isso no palco de um teatro.” [O que, infelizmente, nunca chegou a fazer.]
“Não tem tu, vai tu mesmo. Era assim. Eu ia vendendo meus livros nas ruasfeiras de livrosnas portas dos teatros, nos restaurantes Gigeto, Giovani Bruno, Orvieto, Piolim. Um pouco aqui, um pouco ali. Batendo papo, contando histórias e faturando uma grana. Sabe, não é fácil vender livros em terra de analfabeto com fome. A maioria das pessoas reconhecia que aquilo era uma forma de resistência. Uma parada dura. Mas, eu não me acanhava. Não me queixava. Conheço bem a lei do choque do retorno: Quem planta vento colhe tempestade. E eu incomodava mesmo. Era perseguido, mas fiz por merecer. Eu encarava todas do jeito que viessem. Às vezes, apareciam uns e outros querendo me humilhar. Era péssima viagem. Eu pegava bem. Dava duro.”

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