Faz parte do Coletivo Poético Assum Preto
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Carta ao filho não-nascido.
Lembre-se que há dias em que é melhor não olhar para os lados.
Resista.
Mulheres te encantarão em sorrisos,
narizes sinuosos e fala doce.
Resista.
Teus inimigos sentarão ao teu lado no ônibus
e riscarão tua testa ao seu cochilo.
Resista.
Admiradores aparecerão dos bueiros e vão pedir, sempre,
uma ponta do teu último cigarro.
Você terá vontade de caminhar sem rumo pelas ruas da cidade
e não será fácil.
Haverá uma raiva absurda dentro de ti.
Todos os objetos domésticos te parecerão uma masmorra
e teus credores e tuas amantes te aguardam na esquina.
Agradeça.
Não há nada comparável ao tremor de tuas pernas frente a solidão.
Teu corpo se desmanchará frente ao silêncio
e você terá tanto tesão que é perigoso que se vicie.
Termine o que deve ser feito.
Sempre.
E agradeça o teu corpo arreganhado em sua cama
por uma mulher.
Agradeça aos pássaros noturnos e a sinfonia notívaga.
Agradeça o big bang e todas as suas partículas
pela possibilidade dos teus encontros.
Agradeça a todos os milhares de anos evolutivos
que proporcionaram essa tua imaginação maravilhosa.
Os seus peixes antepassados e suas escamas azuis
teus répteis e do passado
dinossauros e ao meteoro
que abriu o espaço para teu gozo.
Agradeça aos anos de escuridão e poeira.
Seja grato.
Bendiga as civilizações que te precederam
e descobriram tudo que você acha que está descobrindo
inclusive esse poema que, perdoe-me,
não é feito do sol.
Agradeça a Aquiles e seu calcanhar.
As pirâmides e seus rostos eternizados
ao primeiro indígena a mascar uma folha de coca
e moer raízes após a caça e a pesca e sonhar por
3 noites seguidas com aquilo que você chama de catarse.
Agradeça aos exus protetores
que se escondem no lodo
e nas encruzilhadas
por vergonha da tua santa covardia.
Agradeça, meu filho.
Agradeça.
Ian Viana - 2017
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Uma dor de cabeça interminável.
É como se o mar
e sua sinfonia de ondas
estivessem sempre
em minha cabeça
chacoalhando
chacoalhando
chacoalhando
chacoalhando.
Amigos se debatem
olhando nos meus olhos
afogados.
Minhas costas
levam o rubro do horizonte abissal.
Algo não me permite encarnar
minhas personagens,
minhas conversas banais,
meus almoços,
minha paquera.
Um cão aleijado late em meu crânio
em busca de afagos.
Não cabem grupos de ajuda,
hoje chamados de militância,
aqui.
Psicanalistas,
romances,
compromissos,
prostitutas,
universitários tampouco.
São todos escurraçados por minha alma.
A cada passo uma nova imagem
a cada imagem
outra onda gigantesca
batendo em meu forte.
A solidão do sol.
As gaivotas se afastam
os peixes se afastam
meus amores se afastam
chicoteando meu corpo com suas algas.
Minha pele engilhada
impede que isqueiros sejam acesos,
mas acendê-los pra quê?
Aqui não existem cigarros
nem maconha
nem jornais.
Você que se vire com isso.
Pare.
Nem comece.
Dizem que lhe fará bem,
que você deve "extravasar"
que a última pesquisa de Harvard...
Blá, bla, bla
Esqueça.
O mar não vai perceber as tuas lágrimas
o mar não tem que perceber as tuas lágrimas
o mar não é a tua mãe
e tua mãe está morta
o mar não é o teu pai
e você já tem idade o bastante
para saber que os pais vão embora
o mar não é tua namorada dos tempos de infância
que hoje se casa com um babaca
o mar não é teu orixá
e, mesmo se fosse,
quantas oferendas você andou fazendo?
Isso.
Nenhuma.
Porque você nunca se importou com nada
além de teus poemas.
Para não ser injusto,
teus poemas e a vida que você tenta tranformar em poemas.
Mas você não vive o que é vivido nos sonhos.
Elas estavam certas quando tatuaram em tua testa o pecado da não consideração.
E você sabe
e você chora
e você treme como uma embarcação velha.
E por isso tão amado,
tão odiado
por isso do teu vício e tua impaciência
tua imensidão e pessoas afogadas
por isso dos navios negreiros e balsinhas de amor
por isso dos teus olhos pérolas
e teus afetos estraçalhados em corais azuis.
O sentido da tua vida
uma onda maravilhosa destruindo um forte cinza.
É pra isso que você foi feito.
Fugir pra quê?
Pra onde?
Se você fica mais infeliz quando retorna.
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ei bora almoçar galera bora meter um dog. quero mastigar teus cílios morder as extremidades das tuas palavras. como saias em jongo, pernas molhadas de suor mercúrio. luz bêbada que me amanhece sonho cometa. eternidade. o.om. começo é essa distancia. necesssariame. te. essa confusao de ser. e como pode. que todo outro.s eja como eu sou. e o aceite. porque ser. é. minha. unica. opção
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Brasília é uma farsa
uma cidade sem marquises para seus mendigos
e calçadas para seus poetas
só pode ser uma farsa
eu sei que vocês andaram lendo poetas daqui
e seus poemas sobre a l2 e a w3
e alguma muda de abacateiro
nos canteiros do plano piloto
tudo bem
mas.por.acaso.
vocês já tentaram caminhar em agosto & sua seca por essas quadras segurando seus filhos numa mão
e as sacolas da compra do mês na
outra?
a.t.e.n.ç.ã.o - isso não é um panfleto.
mas não por isso eu vou deixar de cantar minhas entranhas
juvenis que são nascidas nesse perímetro
esse não é um poema sobre Roma e seu Imperador
-talvez sobre Antinoo-
esse é um poema sobre nós, os bárbaros
que rodeamos a cidade em satélites ultrapassados do séc xx
e aguardamos ônibus por horas e horas e horas
e pagamos o nosso almoço para assistir
onças magricelas no zoológico.
esse é um poema sobre meu tênis de sair
porque o outro é de ir a escola
acontece que hoje eu não me importo
mas eu me importava e todos os dias
crianças & adolescentes compram tênis falsificados
ou roubam - quando mais corajosas -
para atravessar a cidade por seu subsolo
nesse metrô anoréxico.
nisso niemeyer e seu comunismo
lúcio costa e seu projetinho
jk e seu peixinho
não pensaram
o que é óbvio
mas nem sempre foi
porque quando elefantes brigam
é a grama que sai prejudicada sempre
mas acontece que ninguém
eu disse ninguém
conta isso para as crianças e suas flores
ninguém pisa seus pés no chão
ninguém faz poemas sobre as marias
e seu medo de avião & a saudade da família
eu disse poemas
e não panfletos
porque nossas crianças não suportam mais panfletos
nem nossos adultos
nem nossas putas
porque da última vez que entregaram panfletos
essa cidade se alagou
e a água turva levou nossos índios
e construiu condomínios fechados com o nome de "oca"
em seus lugares
e nosso coliseu foi transformado num shopping
nossa universidade foi transformada numa igreja
nossos alunos em fiéis
nossos políticos permaneceram polítcos
e nossos poetas se esconderam em seus livros.
mas disso ninguém fala.
Ian Viana - 2017
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por você (11ºC)
eu entraria no chuveiro de costas
você sabe como isso é terrível
em dias gélidos assim
meus amigos de sanpablo não me entendem
"nem frio faz em brasília"
mas eu & você
VOCÊ
que é tudo o que importa nesse poema
sabemos bem o que é um vinho na beira do lago
e nossos narizes sincronizados
o que é minha meia na canela
e chinelos ornamentando essa breguice linda
linda, linda, linda
eu imaginando e sofrendo com você
seu desespero na sua mijadinha
no meio da noite
ah mon amour; mon coeur
merci bocú
por esses olhos e unhas florescentes
eu lembro de mais coisas do que você imagina
eu lembro das tuas outras vidas & outros corpos
nessa mesma alma
tuas ansiedades caminhantes
teu choro escondido pelos mendigos
teu cabelo comprido e também curtinho
eu lembro das escadarias da lapa se dissolvendo no seu bumbum
eu lembro das tuas fotos pregadas nas paredes
e dos pombos se apaixonando por você.
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O SOL LAMBE MINHA NUCA
Minha pupila é uma festa arregaçada por todos os meus amores
minhas mães
minhas perdas & lágrimas
orgasmos em outras línguas
outros países
porteiros boêmios
parteiras
desempregados
e desgraçados.
Há rubro em tudo.
percebam:
anel, pele, pulseiras
teu batom em alguma persiana
de alguma outra vida.
2017
Foto: Aryanne Audrey Rodrigues