A poeta e jornalista Carla Andrade, em sua jornada de fazer versos, lança – em 22 de outubro, a partir das 19h, no Sebinho Cultural – o livro Artesanato de perguntas, obra costurada, imaginada, sonhada, desenhada, vivida nos últimos cinco anos. O lançamento marca o final de uma trajetória iniciada logo após a edição de seu primeiro trabalho,Conjugação de pingos de chuva, de 2007.
Mineira de Belo Horizonte, Carla já pode se dizer uma mineiro-brasiliense, pois há mais de uma década vive no Planalto Central, sempre atuando na área de formação, Jornalismo, e se alimentando diariamente de palavras poéticas. Ler seus versos é mergulhar em um mundo paralelo de imagens, cores, sabores, aromas, lembranças, sonhos, desesperanças, saudades, fantasia, amores, erotismo e por aí pelo infinito. É submergir em um verdadeiro artesanato de perguntas. Afinal, para que respostas?
“Sentirás que aos poucos a poesia de Carla Andrade vai penetrando nos teus olhos e te lendo”, escreve o poeta Nicolas Behr na orelha do livro. No “Prefácio”, o também poeta Alberto Bresciani não fala mais que a verdade ao considerar que os “Novos poemas de Carla Andrade recusam a monotonia e a estagnação,[afinal]Carla tem o ‘andar curioso/ de quem não se acostuma mais a olhar sem ver’ (do poema Vietnã)”.
E seu olhar vai longe dentro de si, do outro, do espaço ao redor, passa pelo Vietnã, Argentina, Itália, Tailândia... e volta para seu próprio interior. Inquieta, se não pode viajar pelo tempo e pelo espaço, Carla viaja nos vocábulos, nos sentimentos, nos detalhes ocultos àqueles que não querem ver. Questiona o cotidiano da solidão entre pessoas, abre as vísceras de uma contemporaneidade em que a imaginação, o diálogo, a contemplação, a simplicidade vêm sendo tragadas pelo abismo de uma sociedade cada vez mais desintegrada, apartada da essência humana.
Para completar sua poesia de sentir, de comer, de degustar, de nos ler, ilustrações da artista gráfica Marina Soares, materializando imagens em traços delicados, tão poéticos quanto as linhas melódicas (ou não) de Carla Andrade, que não escreve para ser compreendida, mas para fazer viajar – mesmo que se esteja quieto em um apartamento qualquer das Asas, ou em qualquer das cidades do Distrito Federal, de Minas, do Brasil, do mundo ou em nós.
Artesanato de Perguntas recebeu recursos do Fundo da Arte e da Cultura (FAC), da Secretaria de Estado da Cultura do Distrito Federal.
O quê?
Lançamento do livro Artesanato de perguntas, de Carla Andrade
Quando?
Dia 22 de outubro
A que horas?
A partir das 19h
Onde?
No Sebinho Cultural, SCLN 406, bl. C, lj. 44
Falar com quem?
Ateliê da Palavra
Ana Vilela – 61 8182 4555
Carla Andrade – 61 9634 3966
Uma degustação de Artesanato de perguntas
Antes do chuveiro
Artesãs são minhas mãos
na cama no espelho seu corpo.
Meus dedos, teares febris
a fiar a incógnita do seu gozo.
Minha boca vapor
de um trem sem destino.
Afasto meus dentes
como persianas abertas
para todo o sol entrar.
Concentro o que gruda
e molha na minha língua
ávida pelo seus poros
encravados
de indulgência.
Sou toda parábola para
folhear páginas
de um livro pagão.
O suor do cio.
Espasmos rebelados.
Trêmula,
terei que reinventar o chão...
Artesanato de perguntas
A colonização dos maribondos
nos meus pensamentos
começou em sânscrito.
Meditação das palavras.
Um mantra de curiosidade de luz
arregalava meus olhos répteis de criança.
Às vezes, levava uma ferroada da ignorância.
Mas passava logo, com sopro em margaridas.
A infância cuidou da urbanização das ideias.
Conjunções interrogativas fizeram
prédios no horizonte,
mas os adultos não entendiam
a essência das janelas.
Depois, a rebeldia dos porquês escravizados.
O desejo devorava séculos sem respostas
em pés religiosos atolados.
A independência da colônia veio depois
de um jejum de palavras.
Não quis mais saber o porquê do universo
e da minha travessia cambaleante.
Como um coral no fundo do mar
deixei que peixes me acolhessem
e segui o movimento das algas.
Cidade
O tempo
e suas longas tranças
debruçadas em varandas com
vista para os olhos da cidade.
A cidade com seus sentimentos
enclausurados
em caixas de concreto,
pés de aço,
jardins de cimento,
estátuas mijadas.
Você tem que ser híbrido,
até seu silêncio deve ser civilizado.
Deixe o que é visceral para
a fotossíntese das plantas.
O que é magistral na sua loucura
para a metamorfose das borboletas.
Nada de mudanças repentinas
enquanto a cidade e seu relógio analógico
decidem seu destino.
Ande devagar, não olhe para os pássaros.
Quando você assumir uma cor cinzenta
e tiver a idade do ralo,
do bueiro,
a cidade respirará o
o resto de sua alma.
Vão te chamar de homem,
seus músculos tensos
serão condecorados,
até que você não tenha nem
mais o consolo da beleza
do abismo da tristeza.
Você ficará só com seus olhos de boneca.
Sentindo em suas feridas o focinho da cidade.
O tempo irá desfazer suas, nossas tranças.