Viagem de uma época
(olhando bem para trás)
Não era um tempo que passava,
era a viagem de uma época,
onde se inventava a vida.
Nenhum minuto se perdia.
Um turbilhão.
Quando a lua e sol eram outros.
Jovens incendiários.
Carvão em brasa.
Igualitários, utópicos, revoltados.
De sandália, bamba ou botina.
Camisetas do Chê: “Hay que endurecerse
pero no perder la ternura”.
Sem as costumeiras grifes, poses e
discursos da mocidade revoltada da classe
média.
Na velocidade de um meteoro riscando o
céu escuro.
Decidir dependia do que era possível.
Pensar, traçar estratégias e filosofar era ficar
para trás.
Paixões,
belas mulheres,
imaginárias,
revolucionárias.
Transar no mato, numa caixa d’água
abandonada ou na beira de um riacho: o
local não importava, mais-valia o prazer.
Todo o tesão do mundo num único instante
e filhos nascendo para todos os lados.
Prazer sustos e emoções tudo ao mesmo
tempo.
A vida acaba quando o sol raiar.
Vez ou outra uma mágoa, sem tempo ou
espaço para se chatear, muito menos para
sentimento vingativos.
Os acontecimentos do minuto passado eram
coisas da pré-história.
Pequenos desgostos que se esquecia,
nada de vontades destrutivas.
A vontade era de viver descuidado sem ligar
para o dia de amanhã.
A próxima semana estava longe demais.
A vida era uma viagem rápida e os
passageiros estavam desembarcando.
Fazendo uma fogueira na beira do riacho,
onde tem belas cachoeiras,
cantando o amor ao som de um violão velho
e maltratado.
Machucados por todas as partes:
nas canelas, corações e cabeças.
Atravessando o Córrego Cortado-à nado-
para encontrar um grande amor.
Artistas, ciganos, em carroças, de carona,
de cara, de lua, ligado, de nóia, virado do
avesso.
Na rua, na escola, no teatro rola pedra(de
caixa de fósforo).
A poesia marginal dos marginalizados
impressas nas máquinas de xerox dos
Ministérios.
Quem fica parado é poste.
Gente simples, gentis, gentílico,
brutos como a criação,
criadores,trabalhadores gritando nas ruas
por paz, pelos seus direitos: Diretas Já.
Entardece, o sol, num braseiro, anunciando
a hora de começar a viver.
Logo a lua aparece indecorosa e
convidando para mais uma festa: será uma
noite daquelas que não se consegue
esquecer.
(N)um bar, mas muito mais que um buteco,
um centro de criação, de encontro, de
debates e ideias.
Conhecendo escritores e poetas:
Leminsk, Augusto de Campos e dos Anjos,
Guimarães Rosa. O inusitado e instável
equilíbrio que mantém o bêbado em pé
numa elegância de mestre sala.
Alguns ficaram no caminho voltando de
uma farra, ou na curva de uma estrada indo
para uma festa.
Consumidos pelos vícios ou de susto:
uns viciados em sustos outros assustados
com ele. De bala não se tem notícia.
Teve um que quase seguiu viagem em suas
farras, foi por um triz.
A vida segue como a de um andarilho,
Daquela que todos têm inveja,
saindo por ai, andando a ermo,
numa estrada qualquer, longe de tudo e
parando onde bem entende.
Não tem chefes, nem ídolos, nem padrões.
Segue conforme calha: caminha faça chuva,
faça sol, faça os dois no casamento da
raposa.
Qualquer ponte serve de abrigo para um
pernoite.
Numa praia deserta, daquelas que Raul
disse que é onde só o sol pode nascer, onde
caminhava olhando as falésias e suas cores,
o mar e seu degradê verdeazul, o sargaço e
a areia.
Adormecendo, em fim, numa profunda paz.