Se cada fotografia conta uma história, pelas lentes de Ueslei Marcelino, um fato pode se tornar uma narrativa mundialmente conhecida. O fotógrafo brasiliense de 39 anos acaba de receber o Pulitzer, maior prêmio de jornalismo dos Estados Unidos e um dos mais importantes do mundo, pela cobertura que fez da caravana de imigrantes que percorreu a pé a América Central com o objetivo de chegar aos Estados Unidos. Desde o início da jornada, no ano passado, Marcelino se uniu ao grupo, caminhando, dormindo e comendo ao lado daquelas pessoas. O resultado foi o registro, revelado a todo o planeta, de todo o drama e tensão que marcaram a busca de centenas de famílias por uma vida melhor.
Uma das imagens mais icônicas resultantes desse trabalho mostra um desses imigrantes assustado, tentando proteger um bebê diante de uma fila de policiais munidos com escudos e capacetes. Era outubro de 2018, e, naquele momento, conta Marcelino, o grupo tentava entrar no México, cruzando a fronteira com a Guatemala, sendo repreendido. Três famílias ficaram encurraladas no meio do conflito, incluindo o pai e o bebê.
A experiência afetou profundamente o fotógrafo. "Havia começado a cobrir a caravana havia apenas dois dias. Segui durante dois meses caminhando, comendo, dormindo e vivendo como eles", diz Marcelino, que desde 2011 compõe a equipe da agência de notícias Reuters e tem passagens por veículos como O Globo, Folha de S.Paulo, IstoÉ Gente e Correio Braziliense. "Registrar essa cena me fez pensar nas minhas relações, em mim como pai e filho. Foi impactante ver a luta diária de todos os pais e mães lutando para dar uma vida melhor aos filhos. Impossível não me colocar no lugar deles", completa o pai da pequena Ana Luiza, que teve com a esposa, Juliana Machado.
O Pulitzer de fotojornalismo de 2019 acabou concedido a Marcelino, mas ele sempre sempre cita a equipe com a qual trabalha como vencedora. Ao celebrar o reconhecimento nas redes sociais, dias atrás, o brasiliense escreveu: "O Pulitzer é nosso. Nosso porque ninguém faz nada sozinho. Nosso porque vencemos por equipe. Nosso porque tem muita gente junta aqui. Nosso porque quem me conhece sabe que meu ativismo é pelo fotojornalismo. Nosso porque é um representante brasileiro. Nosso porque é nosso. Obrigado aos amigos, família e todos que curtem fotografia. Grande dia para o fotojornalismo brasileiro".
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Ao longo da carreira, o fotógrafo presenciou momentos cruciais da história. Ele destaca a cobertura de duas Copas do Mundo, as Parolimpíadas no Rio de Janeiro, a crise atual na Venezuela, a visita do papa Francisco ao Brasil e a viagem de Barack Obama a Cuba, além de eventos marcantes da política brasileiro.
Realizar uma cobertura como a da caravana de imigrantes requer preparo, explica. "Cobrir conflitos, manifestações e situações em ambientes hostis não é brincadeira. Todos os anos, recebemos treinamento adequado, técnicas e todo grau de instrução para ajudar nesse tipo de situação. Existe até atendimento psicológico oferecido pela agência e há obrigatoriedade com os equipamentos de segurança pessoal, como colete, capacete e máscaras de gás."
"Desde criancinha"
Mesmo diante das dificuldades e riscos que enfrenta, Marcelino não dá o menor sinal de querer parar. Mesmo porque parece predestinado a essa profissão. Além de ter nascido em uma família que já respirava fotografia ; o pai, Antonio Marcelino, é sua grande influência ;, o dia de seu aniversário, 2 de setembro, é também o Dia do Repórter Fotográfico.
Formado em publicidade e propaganda, Marcelino diz que é fotógrafo "desde criancinha". "Meu ambiente sempre foi o jornal. Meu pai trabalhou em jornais, revistas e laboratórios fotográficos. Brinquei nas bobinas gigantes de papel da gráfica do Correio e nas antigas máquinas de escrever da redação. E todo o ambiente mágico da revelação da fotografia sempre esteve presente na minha vida", diz.
Aos 23 anos, na faculdade, tomou a decisão de seguir a carreira de fotojornalista, um ofiício cujo exercício descreve como "sonhar acordado". Mas nem nos mais ousados dos sonhos Marcelino imaginou ganhar um prêmio tão importante. "Sonhar com o Pulitzer era demais para mim. Era algo muito distante. Estar entre os ganhadores me faz crer que trabalhar duro, ser ético e correr atrás vale a pena."
Para aqueles que dão os primeiros passos no fotojornalismo, ele repete um ensinamento que recebeu de profissionais que o antecederam. "Faça disto uma regra, por favor. Dobre os joelhos, abaixe, aproxime-se, afaste-se, levante, vire, troque de lente, descubra um ângulo melhor, busque a luz e fotografe", descreve. "E eu acrescentaria: leia literatura, consuma cinema, frequente museus, estude arte e, acima de tudo, faça testes", disse. "Fotografe, converse, coma, beba, sinta o cheiro, escute, permita-se errar, não se cobre tanto e leve tudo isso para dentro de você. Vai ser apenas uma questão de tempo para que tudo isso vire foto".
Outra coisa que Marcelino transforma em fotografia é sua relação com a capital federal, que não se cansa de exaltar. "Moro em Brasília desde que nasci. Morei quase toda a minha vida na Ceilândia, de onde tenho belas recordações. Eu me orgulho muito dos amigos e de tudo que vivi ali. Alguns amigos brincam: ;Da Ceilândia para o mundo;. E eu sempre retruco: ;Do mundo para Ceilândia;".