Paulo Santos refaz 30 anos de atuação na Amazônia
Entre a estética e a informação
Na esquina da Travessa Padre Eutíquio com a Rua General Gurjão, em Belém, Paulo Santos guarda imagens e registros impressionantes da região amazônica. Um acervo que começou a ser constituído há 30 anos, quando o fotógrafo era apenas um estudante secundarista, mas já começava a retratar os acontecimentos de uma imensa e conflituosa região.
“Sempre direcionei a minha carreira para o que eu achava que deveria fazer. Então, fui me pautando pelo que eu considerava de maior relevância, dentro desse universo da Amazônia”, diz ele.
Repórter fotográfico de agências internacionais – Paulo Santos já passou pela Associated Press e hoje está na Stringer, da Reuters –, ele não queria apenas registrar os fatos, publicar as fotos. A Amazônia era premissa de trabalho e de estilo de vida, e Paulo estava imbuído também de um olhar criterioso. “Fotojornalismo é aliar a informação à estética”, acredita.
Com mais de 700 mil fotos produzidas – entre estradas, rios e por dentro da mata, em garimpos, indústrias e tribos indígenas – Paulo Santos mostra uma parte de seu trabalho documental na exposição “Amazônia - Estradas da Última Fronteira”, com curadoria de Mariza Mokarzel. A mostra, que será aberta amanhã, está dividida em três temas: “A Indústria da Transformação”, “Estradas da Última Fronteira” e “Povos da Mata”.
Acompanhe a seguir uma entrevista com o fotógrafo, na qual ele fala sobre o começo da carreira, a influência dos pais e o instante de apertar o botão da máquina. “Sei que é dificílimo, mas procuro fotografar como se as pessoas não percebessem minha presença. A ideia é interferir o mínimo possível. Se eu marcar de passar na casa do seu Joaquim amanhã, ele vai estar todo arrumado”.
P: Já são 30 anos de carreira. Como você começou a fotografar e em que momento parou para pensar que queria ser fotógrafo?
R: Eu não parei para pensar, pois na vida as coisas não acontecem desta maneira. Na verdade eu sempre vi a fotografia como um documento muito importante, e até certo ponto como prova irrefutável das circunstâncias. Eu já não tenho mais essa visão, mas foi isso que me levou à fotografia. Começou durante o movimento estudantil, entre o final da década de 1970 e o começo dos anos 80. Eu era bastante novo, estudante secundarista, tinha 18, 19 anos, e já era fotógrafo da grande imprensa local. Fui me envolvendo com outros órgãos de imprensa, como o Jornal Resistência, da Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos, que foi um dos últimos jornais alternativos brasileiros. A partir do momento em que comecei a trabalhar na imprensa, vi a possibilidade de documentação sob um determinado ponto de vista.
P: Por que você decidiu fazer fotojornalismo na Amazônia?
R: Quando você está trabalhando sem a preocupação de se dirigir a um público com notícia, com informação, você está mais livre, e pode até utilizar uma linguagem mais subjetiva, mais interpretativa. Já no fotojornalismo a linguagem é mais objetiva, mas sem perder de vista a estética. Fotojornalismo é aliar a informação à estética. Como fotógrafo, sempre andei muito, mas sempre preferi a Amazônia.
P: E como você atua, no instante da fotografia?
R: Existem trabalhos fotográficos que podem ser dirigidos, “vem mais pra cá”, aquela coisa. Eu não trabalho dessa maneira. Tento passar a emoção que vejo nas pessoas. É óbvio que tudo que eu faço passa pelo que eu penso, pela minha formação, pelos meus princípios. Sei que é dificílimo, mas procuro fotografar como se as pessoas não percebessem minha presença. Trabalho com uma lente enorme, sou branco, gordo - lógico, isso vai chamar a atenção das pessoas. Mas a ideia é interferir o mínimo possível. Se eu marcar de passar na casa do seu Joaquim amanhã, ele vai estar todo arrumado - então, há uma interferência. Você vai ficando no lugar e as pessoas vão se acostumando, deixando de se incomodar com sua presença. Esses garotos aqui, por exemplo: não é uma foto montada, dirigida. [Referindo-se a uma fotografia em que três meninos tomam banho em um rio].
P: Existem algumas referências que te levaram a esse caminho?
R: Meu pai era economista; minha mãe, biomédica. Então eu sempre tive referências sobre as questões amazônicas, como a questão agrária, os grandes projetos, por meio de livros, revistas, muito acesso à informação. Eu era um garoto, e por mais que não entendesse aquilo, esse ambiente já fazia parte do meu universo. Acho que ficou no meu imaginário. A nossa memória se transforma, começa a perceber as coisas de forma distintas. Então, depois de muitos anos trabalhando em vários segmentos distintos da fotografia, resolvi que já estava na hora de reunir esse vasto acervo para fazer uma grande exposição.
P: Como foi organizar essa exposição comemorativa?
R: O primeiro passo foi me debruçar sobre o acervo. A ideia inicial era fazer uma exposição com 25 anos de trabalho. Comecei a preparar tudo em 2005, e passei mais de um ano só revendo meu acervo, tudo que fiz no decorrer da vida, milhares de fotos e negativos. Quando eu já tinha algum material separado, convidei a Mariza Mokarzel para ser a curadora. Ela acabou percebendo três temas, a partir do quais, de alguma maneira, intuitivamente, comecei a desenvolver meus trabalhos. São três pontos de vista sobre a Amazônia. Isso tudo aqui é acervo, deixa eu te mostrar para teres uma ideia. [Paulo levanta-se e dirige-se aos gaveteiros de escritório, onde estão guardados os negativos das fotografias].
P: Você mesmo cataloga?
R: Não, eu tinha uma equipe. É que eu tinha uma loja do lado da minha casa, mas em 2005 fechei as portas por conta da mudança tecnológica, pois toda a minha estrutura era analógica, e não vi boas perspectivas para continuar o negócio.Então, isso foi catalogado por várias equipes. Mas quem adaptou essa sistemática de acervo fui eu. São mais de 700 mil imagens.
P: Como você conserva esse tipo de material?
R: Desumidificador ligado 24 horas por dia e, nos dias muito quentes ou de muita chuva, eu ligo o ar-condicionado também. Além do processamento químico que foi feito durante muitos anos. É preciso ter muito cuidado, dentro dos padrões técnicos, para poder conservar esse tipo de acervo.
P: Como foi o trabalho de seleção de mais de 700 mil fotos para a exposição?
R: Levei para a Mariza algo em torno de 2.500 fotos. Estão copiadas cerca de 250 fotos, e por nós entrariam todas elas. É um processo lento, que só vai ser decidido mesmo no último dia, na montagem da exposição.
P: E quais foram esses temas que você começou a fotografar, como mencionou, intuitivamente?
R: São três temas. O primeiro chama-se “A Indústria da Transformação”, que eram os chamados grandes projetos, incentivados pelos governos militares, como Carajás e Tucuruí. O segundo tema, cujo título dá nome à exposição, trata dos conflitos decorrentes da ocupação da floresta, os conflitos agrários e assassinatos no campo. Essas situações têm o título “Estradas da Última Fronteira”, que também dá título à coleção de três livros que serão lançados ainda este ano. E o terceiro e último, “Povos da Mata”. As pessoas me perguntam por que não intitulei “Povos da Floresta”, que seria mais bonito, mais sonoro. Mas andando por aqui há 28 anos, eu nunca, jamais ouvi alguém dizendo: “Fulano está na floresta”. É tudo mato... Acho que a palavra floresta é mais para ONG do Sudeste.
P: É a realidade dessas pessoas...
R: A ideia é justamente se aproximar dessa realidade. Acho que um dos problemas da Amazônia é que ela é normalmente pensada de fora para dentro. Não é pensada de dentro para fora. A ideia da exposição é constituir a visão de alguém que está aqui efetivamente.
P: Como você foi construindo a sua visão, frente às visões românticas e estereotipadas da região?
R: Não desrespeito esse tipo de trabalho. Existem centenas de fotógrafos trabalhando na Amazônia e que se dedicam a fazer projetos com essa visão mais romântica. Acho isso válido, já vi muitos projetos bonitos sobre a região. Mas como eu vivo aqui, acho importante que determinados temas sejam debatidos. Esses três tão importantes, não só para a Amazônia, mas para o Brasil. Não é um trabalho acabado, mas sugere uma reflexão sobre a Amazônia de uma forma distinta. Do ponto de vista pessoal também foi interessante rever esse acervo, rever o que eu estava fazendo aqui e que tipo de trabalho eu ainda poderia fazer. Foram momentos de muita transformação pessoal.
P: Qual foi o momento mais marcante nesses 30 anos?
R: Existem muitos momentos. No caso Dorothy Stang, fui o primeiro fotógrafo a chegar em Anapu. Foi um momento muito tenso e intenso, que me fez produzir fotos muito dramáticas, e por causa disso este é um trabalho do qual gosto muito. Tem também o trabalho na reserva Mamirauá, do meu amigo Márcio Ayres, já falecido. São muitas viagens, sempre muito gostosas, que se tornam um aprendizado. Depois desses anos viajando e conhecendo pessoas da região, você vai aprendendo a entrar na vida dessas pessoas sem ser um estranho. Você chega e é um estranho, mas também de alguma maneira tem que conseguir conquistar essas pessoas e fazer parte da rotina delas, e sempre aprende muitas coisas. A questão é como você atua na hora de trabalhar.
VEJA
Exposição “Amazônia - Estradas da Última Fronteira”, com fotografias de Paulo Santos. ) Em Breve estara no Museu da República, Brasília .
Fonte: Diario do Pará.