Quem conversa com a escrivã Li Azevedo se depara com uma profissional apaixonada pelo que faz. Aprovada no concurso da Polícia Civil de 2008, ela atua como plantonista no interior do Estado. Tem um olhar diferenciado por quem passa por uma delegacia, por quem chega algemado e com olhar cabisbaixo. O motivo? Uma experiência vivida por ela mesma anos atrás, quando foi deportada da Europa.
Li já era formada em Direito, mas tinha ido para a Bélgica estudar francês e viver novas culturas. Ali ficou por volta de nove meses, até ser pega em um café, onde trabalhava ilegal como garçonete, levada para uma delegacia e, em seguida, para um Centro de Refugiados, antes de ser deportada para o Brasil.
Na época, a cena a deixou chocada. “Hoje, como policial, entendo todos os procedimentos feitos comigo”, diz. Ao chegar ao Brasil, anotou tudo o que houve para não esquecer cada detalhe. O tempo passou, Li entrou para a Polícia Civil goiana e a história virou livro.“AU Noir”, uma expressão que identifica os imigrantes ilegais no País e que, traduzida para o português, significa “Ao negro”, dá nome ao livro, que será lançado em breve nas livrarias de Goiás.
“A experiência por que passei me permite enxergar uma pessoa que chega algemada, chorando numa delegacia. É o procedimento correto, de segurança, mas consigo me colocar no lugar do outro”, cita. “Ao mesmo tempo, tenho grande respeito e admiração pelos meus pares, policiais que, infelizmente, ainda não são valorizados como deveriam aqui no Brasil”. FONTE:http://www.sinpolgo.org.br/.
UM TALENTO QUE AFLORA NA LITERATURA.por Gilberto Alves
Terminei recentemente a leitura do ótimo livro “Au Noir”, autoria de Li Azevedo, narrando experiência da própria autora quando foi expulsa da Bélgica por tentar trabalhar ilegalmente naquele país. A própria temática – o encarceramento -, a narrativa direta, objetiva, sucinta, o olhar sagaz, crítico e sensível, ao narrar o próprio drama, remeteu-me à leitura que fiz há muitos anos do monumental Memórias do Cárcere, do mestre Graciliano Ramos. Li Azevedo, a exemplo de Graciliano, enfrentou o encarceramento de forma estóica, sem assumir postura de vítima ou tentar simplesmente culpar outros pelo próprio infortúnio, transformando a experiência em uma bela obra literária. A experiência de Li Azevedo, narrada de forma objetiva, direta, sensível e quase poética, reflete não só o drama vivido pela própria que, felizmente, terminou bem, mas o drama de muitos brasileiros que, diante das quase insuperáveis injustiças sociais do nosso país, tentam buscar oportunidade fora deste, especialmente nos Estado Unidos e Europa, quase sempre em atividades que os locais consideram indignas. Esse tipo de aventura muitas vezes termina de forma trágica, como foi o caso há algum tempo do mineiro Jean Charles, morto pela polícia londrina ao ser confundido com um terrorista. Os tenebrosos muros do castelo onde Li Azevedo ficou encarcerada foram as lentes que ampliaram sua visão, permitindo-lhe enxergar com mais clareza os invisíveis muros mercantilistas, políticos, sociais e ideológicos que nos classificam, nos separaram, nos segregam, nos oprimem e, principalmente, nos dizimam.
*Gilberto Alves é policial civil, graduado em Filosofia.
Contato:big.giba@terra.com.br
Dia 15 de Outubro (sabado), partir das 20h
Local: Galeria Olho de Águia (CNF 01, Edifício Praiamar, Loja 12 – Taguatinga Norte),
Entrada franca.