Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos artistas, em todo o mundo, é a falta de tempo e condições para se dedicarem às suas produções. “A necessidade de garantir o pão de cada dia sufoca, universalmente, muitos talentos e vocações”, afirma Augusto Albuquerque, gerente do Instituto Sacatar.
Sediada na Ilha de Itaparica, na Bahia, desde 2001 a instituição promove programas de residência artística. O último processo seletivo próprio foi finalizado em 2012. Com mais de 800 profissionais de todo o mundo inscritos, houve ocupação das vagas até o final de 2014. Paralelamente, foram promovidas seleções associadas à Unesco, Bienal do Mercosul,Associação Videobrasil, III Bienal da Bahia, Centro Cultural São Paulo, entre outras.
Para Albuquerque, artistas que ainda não são conhecidos encontram nos programas de residência a oportunidade para se dedicarem às suas produções experimentando uma liberdade criativa muitas vezes inédita nas suas vidas. “E ao citar a grande massa de artistas anônimos, não estou excluindo os ‘medalhões’ das possibilidades de benefício através de tais programas. Mesmo a esses, a inserção em outros cenários e ambientes culturais significa muitas vezes a oxigenação da sua produção”, explica.
A assimilação do conceito de residências artísticas nas mais diversas esferas, desde a pública, mas principalmente na privada, foi para Albuquerque a grande mudança para a área nos últimos anos. “As residências artísticas deixaram de ser ‘solenes desconhecidas’ e já começam até a merecer a atenção do setor governamental, que passa a reconhecer sua importância como eficazes instrumentos para o estímulo da criatividade e da produção cultural no país”, afirma.
No entanto, ainda é preciso que essa reflexão se converta em apoio efetivo. Joel Borges, responsável pelo Obras em Construção, programa de residência da Casa das Caldeiras, em São Paulo, faz coro com Albuquerque ao afirmar que faltam políticas públicas para essa área. “Falta conhecimento do território, sensibilidade e engajamento para acompanhar essas ações, investimentos e diálogo com estruturas que já fazem esse trabalho”, defende. Isso, segundo ele, é determinante para o desenvolvimento das comunidades artísticas, que necessitam cada vez mais que seus processos sejam valorizados e que possam no mínimo ter espaço e tempo de construção.
Com os resultados do mapeamento e do Seminário de Residências Artísticas no Brasil, a Fundação Nacional das Artes considera que terá subsídios suficientes para construir um Programa Funarte de Fomento às Residências Artísticas. “As residências artísticas são um movimento fundamental na construção e dinamização de novos públicos para a arte e para a cultura, além de um campo ímpar para a experimentação artística. Não podemos deixar de observar que essa é também uma alternativa eficaz para certas limitações do mercado estabelecido para as artes, criando um novo campo de relação entre a arte e seu público”, confirma Ester Moreira, diretora do Centro de Programas Integrados da Funarte.
Processo x produto - Albuquerque lembra que os editais públicos do setor cultural, na maioria das vezes, exigem a apresentação de um produto final, de um resultado ao fim do programa, o que nem sempre é possível. “Uma experiência de residência pode gerar uma reflexão, uma adoção de novos paradigmas na produção criativa do artista, sem necessariamente gerar naquele instante histórico um objeto, um produto”, explica. Essa dificuldade também está no setor privado, que nas suas ações de mecenato procura associar a marca a produtos ou eventos de grande visibilidade, o que nem sempre é possível do caso das ações de residência artística.
As residências funcionam tanto como incubadoras de iniciativas, estéticas, reflexões na arte contemporânea, como podem significar a oxigenação ou uma nova injeção de ânimo nas artes, saberes e fazeres tradicionais. O limite estabelecido, pontua Albuquerque, é o da própria criatividade do artista participante e do seu foco de ação.
É durante o período de residência que o artista põe em risco todo o seu processo criativo, completa Borges, e o resultado final da obra é apenas uma parte do trabalho vivido e efetuado. “Porém, a confiança e o conhecimento que ele adquire durante esse período é de extrema importância.”
Diálogo intercultural, desenvolvimento de novas relações e interlocuções, fomento ao pensamento crítico, transformação pessoal e social, ampliação do acesso à arte são os principais resultados que os programas de residência artística deixam como legado cultural. “Os artistas se desligam das suas práticas cotidianas para imergir em uma nova produção e pesquisa. Os resultados vão desde produções densas até pesquisas inacabadas, não necessariamente um sendo melhor do que o outro”, defende Consuelo Bassanesi, diretora do Largo das Artes, no Rio de Janeiro.
Ela conta que desde o ano passado tem visto espaços fechando ou desistindo de programas de residências. “Somos hoje o único espaço atuante com residências no Rio de Janeiro”, afirma. Segundo ela, o Brasil é um país muito caro e com infraestrutura limitada. “O aluguel é muito caro e a produção artística exige espaço. E o Rio de Janeiro sofre muito com sazonalidade – durante a Copa, por exemplo, foi impossível alugar acomodação e não tivemos artistas em residência. No verão também fica complicado, com preços abusivos. Além disso, 1/3 dos nossos residentes são assaltados.”
Consuelo também cita a falta de financiamento e políticas públicas para a manutenção de espaços e o desenvolvimento de projetos a longo prazo. “Faltam editais nacionais específicos para residências. Estamos na expectativa que a Funarte anuncie políticas específicas ao setor após o mapeamento e o seminário.”
Leia mais:
Mapa das residências artísticas no Brasil
Rotas para a pesquisa em artes. FONTE:http://www.culturaemercado.com.br/