O poder de mobilização viabilizado pelas redes sociais na internet é uma tendência mundial. Apenas como exemplo, temos as manifestações políticas articuladas desde o final de 2010 – então chamadas de Primavera Árabe. Como se sabe, a organização e a manifestação da sociedade civil são fundamentais para a construção de uma vida política ativa de um país, de um povo, e dessa forma, têm promovido transformações consideráveis como a queda de ditadores. No Brasil, atualmente, a despeito de não vivermos as mesmas condições políticas que esses países do Oriente, deparamo-nos constantemente com casos de corrupção e de má gestão da coisa pública. Tais acontecimentos também têm mobilizado a sociedade para revelar seu descontentamento através de manifestações.
Mas qual a diferença entre as manifestações da Primavera Árabe e as que ocorrem na sociedade brasileira? A intensidade. A exemplo do que ocorreu no Egito, o que se tem é um movimento que ganha as ruas de forma intensa, dias a fio, até mesmo com enfrentamentos contra o Estado, representado em suas forças policiais. No Brasil, porém, muito se limita ao âmbito da internet e das manifestações com dia e hora marcada, como se viu no último feriado de 07 de Setembro, dia de comemoração da Independência Nacional.
Além disso, outra questão muito curiosa pode suscitar um debate acerca da natureza dessas manifestações brasileiras. Seus organizadores expressam claramente o repúdio à participação de partidos políticos, admitindo apenas – como se viu em setembro de 2011 – organizações e instituições como a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Mas seria possível promover mudanças na política nacional sem os próprios mecanismos inerentes à democracia? Logo, tomando como base a fala dos que diziam que os partidos políticos deveriam ficar fora dessa manifestação, não estaríamos diante de uma contradição? Até que ponto essas manifestações – como as que ocorreram no Brasil em 2011 – efetivamente surtem resultado? Maurice Duverge, em seu livro Os Partidos Políticos (1980), já fazia esta mesma indagação aqui colocada: “Seria, no entanto, satisfatório um regime sem partidos? Eis a verdadeira questão [...]. Seria a liberdade melhor preservada se o Governo tivesse ante si, apenas, indivíduos esparsos, não coligados.
Mas, no Brasil, a descrença e a falta de confiança nas instituições democráticas seriam a base do argumento que rechaça a participação de partidos políticos em manifestações mais recentes na história nacional. Ainda conforme Duverger, “a democracia não está ameaçada pelo regime dos partidos, mas pelo rumo contemporâneo das suas estruturas internas” (ibidem, p. 459), as quais muitas vezes estão comprometidas com interesses alheios aos dos militantes ou da própria população. Tais estruturas estão comprometidas apenas com aquilo que diz respeito aos planos de uma elite dirigente desses mesmos partidos. Diante dessa constatação, embora o livro citado seja uma obra da década de 1950, ainda guarda certa atualidade. Portanto, esse desvirtuamento das funções dos partidos e das funções de seus representantes que ocupam cargos públicos (deputados, senadores, entre outros) seria o motivo pelo qual o brasileiro e a sociedade em geral teriam perdido sua confiança.
É preciso dizer que a opinião pública e as organizações por meio de novos veículos de comunicação têm sim um peso fundamental em uma democracia, mas deve-se lançar mão das instituições democráticas para se alcançar mudanças legítimas e eficazes. Basta pensar na forma como a lei da “Ficha limpa” teve origem por meio da reivindicação de uma organização não governamental, mas apenas ganhou efetividade após ser adotada e defendida como proposta por representantes legítimos no regime democrático. Assim, dizer que os partidos políticos não servem para a política é algo tão problemático quanto propor o fim do congresso ou do senado brasileiros por conta de seus históricos marcados por casos de corrupção.
Não se trata de jogar no lixo conquistas históricas para a sociedade brasileira, mas sim repensar o seu comportamento e engajamento políticos quando das eleições. Analisar o candidato, o partido, assim como acompanhar seu trabalho frente ao cargo ao qual foi designado é fundamental; acompanhamento que, ao comprovar a incompetência do parlamentar, certamente contribuirá para que ele não seja novamente eleito. Logo, algumas dessas conquistas, como a possibilidade da existência dos partidos e do parlamento, foram o resultado da luta organizada de outras gerações. A liberdade política e a possibilidade da organização em partidos são frutos de muita luta e reivindicação sociais, encabeçados por personagens (até mesmo anônimos) que enfrentaram a ditadura, a tortura, a prisão e o exílio. Assim, não poder (ou não querer) contar com os partidos como mecanismos de discussão e mudança política é algo negativo para a própria democracia em nossos tempos, uma vez que esses instrumentos são partes integrantes do regime democrático. Da mesma forma, qualquer manifestação não articulada e sem a intensidade necessária, que possa se diluir no meio do caminho, apenas cria expectativas que talvez estejam mais próximas da frustração do que da realidade.
Paulo Silvino Ribeiro
Colaborador Brasil Escola
Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
03.jpg
04.jpg 11.jpg 12.jpg 14.jpg 16.jpg 19.jpg 20.jpg 21.jpg