Suhaib Hijazi tinha apenas dois anos quando a sua casa foi destruída por mísseis israelitas. Muhammad, o irmão mais velho (três anos) e o pai, Fouad, também morreram. A mãe sobreviveu, mas foi internada nos cuidados intensivos. 20 de Novembro, mais um dia de bombardeio israelita sobre Gaza.
Na fotografia que valeu ao sueco Paul Hansen o prémio principal da World Press Photo de 2012, anunciado nesta sexta-feira, vêem-se em primeiro plano os corpos das duas crianças, numa rua estreita da Faixa de Gaza. São os tios, irmãos de Fouad, que os levam ao colo. Os rostos serenos de Suhaib e Muhammad contrastam com o desespero, a raiva e a tristeza que marca os adultos. O pai vem atrás, envolto numa mortalha branca como manda a tradição, numa maca. Só há homens neste cortejo que parece encenado. A mesquita onde farão a cerimónia fúnebre não fica longe.
Santiago Lyon, presidente do júri desta 56.ª edição dos prestigiados prémios de fotojornalismo e director de fotografia da agência Associated Press (AP), diz que este trabalho de Hansen para o diário sueco Dagens Nyheter “é simplesmente uma colecção forte de expressões”, que o tamanho dos corpos das crianças acentua. É, garante, “uma imagem incrível” que mostra, como tantas outras nas mais de 100 mil que foram a concurso, que o fotojornalismo continua a ser um instrumento poderoso para contar uma história.
“Ali está toda a dor, toda a tristeza; o desespero e a perda”, acrescentou Mayu Mohanna, membro do júri, citada pelo diário espanhol El País. “A força da fotografia está no contraste de tudo isto com a inocência das crianças. É uma imagem que não vou esquecer.”
A violência sobre as populações civis no Médio Oriente foi o tema dominante na categoria de notícia, uma das nove destes prémios que neste ano tiveram em concurso 5666 fotógrafos de 124 países. É neste cenário de desespero e destruição, que Hansen fez a fotografia do ano. “Estou muito feliz e ao mesmo tempo muito triste”, disse o sueco à agência de notícias norte-americana, referindo-se à “honra” que sente ao receber este importante prémio que lhe é atribuído por colegas de profissão quando uma família perdeu duas das suas crianças e uma mulher permanece inconsciente na cama de um hospital.
“Estas situações são muito complexas, acrescentou Hansen, que vai receber dez mil euros da fundação World Press Photo. “É difícil exprimir as emoções, traduzir o que está a acontecer. A luz é dura e há muita gente.” À AP explicou por que razão escolheu o beco para fotografar: “A luz fazia ricochete nas paredes e por isso pensei que ali se poderia olhar para tudo isto como uma procissão… Temos a profundidade da imagem e a luz que se move.”
Aida, a mulher retratada pelo argentino Rodrigo Abd (primeiro Prémio Notícia), poderia funcionar como espelho da imagem de Hensen – ela é a única sobrevivente da sua família – marido e os dois filhos morreram quando a sua casa em Ibid foi bombardeada pelo exército sírio – e a 10 de Março o fotógrafo escolheu-a a ela. Não seguiu os mortos, mas a que, apesar de tudo, resistiu.
Nas diferentes categorias, que incluem fotografia de natureza, desporto e retrato, merecem destaque Japan after the wave, do australiano Daniel Berehulak (terceiro Prémio Temas Contemporâneos - Histórias), que mostra uma raiz de pinheiro arrancada pelo tsunami numa praia em Rikuzentakata; a ternura com que Mirella cuida do seu marido Luigi, um doente de Alzheimer, numa imagem a preto e branco que nos toca, da autoria do italiano Fausto Podavini (primeiro Prémio Vida Quotidiana - Histórias); o retrato encenado do artista chinês Ai Weiwei, tirado pelo malaio Stefen Chow em Pequim (segundo Prémio Retrato); e a dança dos pinguins-imperador, série de Paul Nicklen, do Canadá, para a revista National Geographic (primeiro Prémio Natureza).
O português Daniel Rodrigues, 25 anos, também optou pelo preto e branco e venceu na categoria Vida Quotidiana com uma fotografia de crianças a jogarem futebol num campo em Dulombi que servira de aquartelamento militar quando a Guiné Bissau era uma colónia portuguesa.
O jovem fotógrafo, que está neste momento desempregado, registou a imagem que lhe valeu o prémio quando participava numa missão humanitária e tornou-se o terceiro português distinguido pela WPP (o primeiro foi Eduardo Gageiro, em 1974, com um retrato de Spínola; o segundo Miguel Barreira, em 2007, com uma fotografia do bodyboarder Jaime Jesus).
A edição deste ano merece uma visita ao site da World Press Photoe outra à exposição, cujo calendário internacional não foi ainda anunciado (regra geral o itinerário passa por Portugal e no ano passado esteve no Museu da Electricidade, em Lisboa).fonte:http://www.publico.pt