Por Mila Targino
Algumas coisas me emocionam muito em fotografia, mas não tudo, nem muito frequentemente. Há pouco tempo, iniciei um diálogo com uma amiga integrante de um coletivo de nome muito bonito: Trotamundos. Não parece um termo medieval? Lembra cavaleiro andante, aquele que ultrapassa fronteiras, em diálogo com a natureza. Nessa época, os homens jovens eram elevados, em cerimônia, à dignidade de cavaleiro, possuindo grande distinção social, expressa na coragem e generosidade. Pois bem, essas duas qualidades parecem perpassar, como um amálgama invisível, as relações que o Trotas traça entre fotografia e palavra.
Com razão, vocês poderiam indagar que verbo e imagem são coisas distintas, significam por mecanismos diferentes. Isso lá é bem verdade, mas, por outro lado, palavras implicam imagens. Digo isto porque sempre acho que, às vezes, em nosso campo de atuação, elas tomam distinção maior que a devida: quem fotografa, pouco escreve; quem escreve, nem sempre se aproxima das fotografias. Claro, temos exceções louváveis. No caso específico do Trotas, seus componentes, Alejandro Zambrana, Ana Lira, Arnon Gonçalves, Marcelinho Hora, possuem uma relação de coragem com uma escrita provocada por imagens. Em várias de suas ações ‘fotográficas’, eles escrevem, escutam e voltam a escrever. Logicamente, tal relação gera desdobramentos muito interessantes, a exemplo da maneira como trabalham oblog do coletivo. Vamos combinar: tocar esses espaços digitais adiante não é fácil! Na maior parte das vezes, abandonamos o ‘projeto blog’ por inúmeros motivos: faltam bons textos, não temos informações sistematizadas, muito menos projetos consistentes ou mesmo inspirações poéticas que façam ele de fato existir e ter vida.
O blog dos fotógrafos do Trotamundos aponta para várias ações reais e, cada uma delas, gera material que retorna a esse cyber space dando visibilidade ao todo empreendido. Há uma espécie de retroalimentação que parece bem orgânica, mas que deve dar um trabalho danado. De todos os feitos realizados, o encontroConversando fotografia me chamou bastante atenção. Alguns fotógrafos são convidados ao diálogo a partir de suas obras. Escolhem, junto com o coletivo, um tema que os mobilizem e que diga respeito à produção do convidado. O Trotamundos promoveu várias dessas edições que parecem mesmo muito alegres e vitoriosas. Todo o resultado da ‘cobertura’ do evento chega ao blog com fotos, textos críticos e entrevistas muito completas. Os efeitos, embora que não evidentes, são grandes. Dessa maneira, quero pontuar algumas coisas que considero relevantes:
- O diálogo oral, a respeito da imagem fotográfica, instiga a reflexão: pensamos para sistematizar a fala e articulamos por sobre o já dito anteriormente. Portanto, os que compartilham do evento, têm a possibilidade de se entregar as dores e as delícias do pensar;
- A recepção e divulgação dos ditos desses fotógrafos convidados, gera uma memória on line de fácil acesso. Esse tipo de arquivo me parece, mais imediato que os ‘arquivos públicos’ fechados;
- A reincidência de uma maioria de fotógrafos do Norte e Nordeste, circulando nesses espaços (real e virtual) constrói um pequeno panorama de nossa fotografia. Não discuto, por vezes, o outro nos traduz melhor que nós mesmos. No entanto, é sempre emocionante nos vermos pelas nossas próprias lentes, isso também é uma questão de identidade;
- Em um país que nega, com disciplina, sua memória, o que é narrado ou deixado em silêncio diz muito sobre nossas prioridades sociais. Nesses encontros do ‘Conversando’ teremos amplo espaço para a questão da conservação e do patrimônio imaterial – temas ainda pouco desenvolvidos no campo da fotografia.
Mas, a coragem da escrita está longe de parar por aí, ela passa por um campo político muito importante. Aquele que diz respeito à ocupação dos espaços de linguagem existentes, sobretudo a mídia de massa. É exatamente isso, é preciso pensar como ocupá-la, pois esses espaços não são naturais, exigem o posicionamento dos fotógrafos diante deles. O Trotamundos consegue realizar imagens que, sem dúvida, valem mais que mil palavras, no entanto, as palavras que circulam sobre suas imagens eles escolhem e distribuem. E dá-lhe empenho, diálogo entre os integrantes, conversas com os meios, ocupação das redes sociais.
Base fortalecida para grandes caminhadas na vida
O contorno que essa estratégia de diálogo entre imagem e palavra vai tomando, possui um funcionamento no campo da formação do olhar. Afinal, se o coletivo cuida do que é dito (como memória especializada ou como informação massificada), é porque as palavras não devem ser jogadas ao vento, elas possuem sentidos que dizem nossas imagens, que mostram de nosso comportamento frente à fotografia. Então, formar-se como fotógrafo é, sem dúvida, fotografar muito, mas também, e talvez, prioritariamente, pensar, antes e depois da captura da imagem, nas palavras que podem traduzi-las em um campo mais crítico.
Essa constatação, que parece estar clara para o coletivo, me emociona as lágrimas, educação se torna objeto primordial nas mãos dos jovens fotógrafos e isso, em muitas medidas, é generosidade para com um campo que, ainda hoje, se baseia na velha fórmula de uma ‘Introdução à fotografia’ amplamente empregada nas graduações dedicadas a essa tecnologia ou, naqueles cursos estritamente técnicos, quase sempre desprovidos de um conteúdo crítico mais instigante. O problema é que tal método já caquético, não desloca o sujeito de lugares já muito estabilizados historicamente. Na realidade, a tal disciplina mais parece uma História Geral da Fotografia, na qual encontramos aquele entulhado de técnicas dispostas como sendo absolutamente impermeáveis ao meio social. Isso é no mínimo ruim, pois, nos tornamos fotógrafos, acreditando em certa neutralidade da fotografia, ao passo que esquecemos a profunda dimensão política que tem esse aparato, cuja aparência tecnológica parece suplantar todas as outras.
Vocês podem contra-argumentar que o verbo educar, é bem verdade, pode soar estranho, podendo ter o sentido de moldar, de transmitir conteúdos ou qualquer coisa que o valha. Mas esse, definitivamente, não é o caso do uso empreendido pelos fotógrafos do Trotas. Eles se encantam com a educação e ela encanta a vida de cada um de seus integrantes. É dessa magia – e não fora dela – que surge a ação Fotografia de base que sugere formação aos não iniciados na arte construir discursos de natureza fotossensível. Quando tomei conhecimento do título da oficina fiquei intrigada. Afinal, o que seria uma fotografia de base? O título tem mesmo algo de geográfico, mas de uma geografia crítica e humana, vocês não acham? Afinal base é alicerce, é piso primeiro, é espaço prioritário, e assim por diante. O interessante é que o termo ‘base’ também pode ser visto, na teoria marxista, como o plano da experiência humana cotidiana, cheia de conflitos, de variações dinâmicas e de contradições que nem sempre percebemos.
Tenho a impressão que a “Fotografia de base” empreendida na formação com os fotógrafos do Trotas teria mesmo esse olhar mais sutil e político voltado para os não-ditos que nos rodeiam socialmente e que, nem sempre, encontram um meio de expressão. Nesse sentido, a proposta é de um verdadeiro ato educativo atento aos desníveis da experiência humana. A fotografia se torna, nesse caso, uma técnica tida em conjunto com um espaço social que dá vida à imagem fotográfica. A partir dos interessantes diálogos que tive com o Trotamundos, acabei entendendo que uma fotografia de base, mais que determinar processos, instruir sujeitos ou informar conteúdos, serve de alicerce para uma caminhada fotográfica, mais fortalecida, vivenciada através de um olhar crítico sobre a existência.
Ficou curioso, que tal dá uma olhadela no material do Trotamundos? Tem o site, oblog e o twitter @trotamundosbr.
Vocês encontrarão com eles no Pequeno Encontro da Fotografia, especialmente na mesa de coletivos e em exposições fotográficas.
PROGRAMAÇÃO
18/09 (terça-feira)
Tarde: Oficinas
Horário: 14h às 17h
Locais: Museu do Mamulengo, IPHAN e Centro de Cultura Luiz Freire
Ricardo Peixoto (PB): Percepção do Olhar
Media Sana (PE): Comunicação à Mão
Alexandre Sequeira (PA): Criação em Arte Contemporânea e Fotografia
19/09 (quarta-feira)
Tarde: Oficinas
Horário: 14h às 17h
Ricardo Peixoto (PB): Percepção do Olhar
Media Sana (PE): Comunicação à Mão
Alexandre Sequeira (PA): Criação em Arte Contemporânea e Fotografia
20/09 (quinta-feira)
Tarde: Oficinas
Horário: 14h às 17h
Ricardo Peixoto (PB): Percepção do Olhar
Media Sana(PE): Comunicação à Mão
Alexandre Sequeira (PA): Criação em Arte Contemporânea e Fotografia
Noite: Mesa Redonda | Palestra | Projeções | CineClube
19h Mesa Redonda: Intermídias em coletivos fotográficos
MediaSana (PE), Trotamundos (SE) e O Santo Ateliê (PE)
20h30 Palestra: Arte Contemporânea e Fotografia | Eustáquio Neves (MG)
21h30 Projeções dos coletivos MediaSana (PE), Trotamundos (SE) e O Santo Ateliê (PE)
Local: Praça do Carmo
22h Cine Clube: Curta no Xinxim (temática interfaces entre fotografia e vídeo)
Local: Xinxim da Baiana
21/09 (sexta-feira)
Tarde: Leitura de portfólios
Ricardo Peixoto (PB) | Alexandre Sequeira (PA) | Ronaldo Entler (SP)
Horário: 14h às 17h
Local: Museu do Mamulengo | IPHAN
Noite: Palestra | Projeções
19h Palestra: O cinema como hesitação fotográfica | Ronaldo Entler (SP)
Local: Tenda da Praça do Carmo
20h15 Palestra: As rotas: Relato de experiência | Paula Sampaio (PA)
Local: Praça do Carmo
21h30: Projeções
Cia de Foto (SP), Patricia Gouvêa (RJ), Guy Veloso (PA), Coletivo Potiguar (RN), Kamara Kó (PA), Coletivo Paralaxis (SP), Patricia Lion (PR)
Local: Praça do Carmo
22/09 (sábado)
7h às 16h Expedição Fotográfica
14h às 16h Atividades paralelas (estúdio fotográfico ao ar livre, apresentações artísticas e exposições)
18h Projeções
Resultados da expedição fotográfica
Participação livre (leve seu material)
Local: Pátio da Igreja Rosário dos Pretos (Bonsucesso)