Um médico bem-sucedido (Alexandre Nero) está cansado de sucessivos assaltos. Já foram 28 — em quatro, seu carro foi levado. Ele decide então criar uma armadilha e converter seu SUV (blindado e à prova de som) em uma prisão indetectável para quem passa pela rua. Ao invadir o veículo, o ladrão Djalma (Chay Suede) acaba trancafiado ali dentro e se torna refém da própria vítima, transformada em um torturador sádico. Esse é o mote de A Jaula, longa-metragem que entra em cartaz neste 17 de fevereiro, cujo diretor é um estreante no cinema de ficção.
João Wainer, de 45 anos, é um dos mais importantes fotojornalistas de sua geração, com prêmios como o Esso e trabalhos que vão de registros das celas do Carandiru antes da demolição a capas de discos de artistas do calibre de Chico Buarque, passando pela direção de videoclipes de nomes como Emicida.
O sobrenome é sonoro: ele é filho da artista plástica Pinky Wainer e de Roberto de Oliveira, um dos fundadores do Roda Viva, e neto da escritora Danuza Leão e de Samuel Wainer, figura mítica da imprensa brasileira, criador do extinto jornal Última Hora.
"Meu avô morreu quando eu tinha quatro, cinco anos. Comecei a entender sua importância quando fui trabalhar na 'Folha' (de S.Paulo). Ele era um cara muito querido", diz. "O que curto na trajetória dele, e tento trazer para a minha, humildemente, é a coerência: nunca desviar do que acredito por nada. Meus princípios têm que vir primeiro."
João começou no Jornal da Tarde, aos 16 anos, como estagiário. "Eu brincava que era setorista do Ponto Frio, ficava o dia inteiro fotografando liquidificador. Pegava aquelas pautas que ninguém queria." Ainda na adolescência, apurou seu olhar para questões brasileiras que seriam tema de seu trabalho; ao se aprofundar nas canções do Racionais MC's, sua percepção foi transformada. "Queria saber como é possível existir uma cidade como essa, tão perto de onde eu moro, e totalmente diferente de tudo o que eu via".
Wainer foi repórter fotográfico e editor de imagem na Folha, além de assistente do fotógrafo Bob Wolfenson. Entre 1998 e 2002, produziu fotos no Carandiru para o livro "Aqui Dentro". No cinema, dirigiu os documentários Pixo, que mostra o cotidiano de pichadores em São Paulo, e Junho, que relata as manifestações do ano de 2013.
Essa bagagem dá o tom de sua estreia na ficção, com o longa rodado em 2018 (o roteiro, de Mariano Cohn e Gastón Dupra, também rendeu um filme argentino, "4X4"). "O João é um artista político, um documentarista, um ativista mesmo. E isso está impresso no filme, na forma como ele conduz a história", diz o ator Alexandre Nero. "A maior qualidade dele foi ter sido capaz de transferir para a obra o olhar do fotojornalismo de uma maneira suave", corrobora Chay Suede, para quem o filme trata "dos limites da punição".
Wainer, que atualmente é sócio da produtora TX Filmes e colunista da Folha, tem outros takes em vista: guarda 120 horas de filmagem do Carandiru e comprou os direitos do livro Cobras e Lagartos, de Josmar Jozino, que conta a história do PCC sob o ponto de vista das mulheres dos criminosos. "Para dirigir, você tem que ter uma experiência de vida. Venho para a ficção com histórias que vivi, e que eu gostaria de contar."
O texto também pode ser conferido na edição de fevereiro da GQ Brasil, à venda nas bancas e na nossa loja virtual.