Quando Ivaldo Cavalcante começou a fotografar meninos de rua, o cenário era outro. No final dos anos 1980 e início dos 1990, o crack ainda não havia se instalado nos grandes centros urbanos como a droga mais devastadora dos tempos contemporâneos. Também havia uma quantidade enorme de jovens e crianças penduradas nas janelas dos carros em sinais de trânsito, pedindo dinheiro em estacionamentos e dormindo nas ruas das metrópoles brasileiras. Desde então, uma triste devastação desfilou pelos olhos do fotógrafo, com o crack no topo da lista de consumo entre moradores de rua.
Cavalcante sempre gostou do que chama de ;temas pesados;, mas nas crianças de rua ele viu uma espécie de compromisso. Há mais de duas décadas o fotógrafo documenta o vaivém desses meninos pela cidade na esperança de despertar indignação e compaixão. ;Eles são invisíveis para a sociedade, ninguém está nem aí para eles;, explica o fotógrafo. ;Então cada adolescente que fotografo é para mostrar que eles não são invisíveis. Temos que dar voz a eles.; Há alguns anos, Cavalcante começou a publicar as imagens nas redes sociais. Ao mesmo tempo em que fotografava, também filmava. Os registros renderam dois documentários. Qual o seu lugar no mundo? mostra o cotidiano de usuários de crack na Ceilândia e O meu nome é Fábio traz o perfil de um rapaz viciado em tiner e cola que mora dentro de um contêiner de lixo em Taguatinga.
Com as centenas de fotografias realizadas nas últimas duas décadas, Cavalcante já montou sete miniensaios. Algumas foram mostradas em exposições organizadas pela ABC Trust, ONG fundada pelo guitarrista Jimmy Page, do Led Zeppelin. Outras servirão de base para um documentário mais longo que o fotógrafo pretende realizar ainda este ano, de forma independente, com a renda do bar e galeria Olho de Águia, em Taguatinga, e recursos próprios. ;Sou do tempo do ;faça você mesmo;;, avisa.
Observar os jovens que vivem nas ruas durante tantos anos fez Cavalcanti ter uma percepção de certas mudanças ocorridas no país nos últimos anos. Ele garante que o número de meninos e meninas de pouquíssima idade diminuiu. ;Também não se vê mais criancinhas nos sinais. E tem poucos jovens. Eles existem, mas em lugares pontuais;, afirma o fotógrafo, que observou a mudança especialmente depois da criação de programas sociais.
Desde que começou a publicar as imagens na web, o fotógrafo notou que os internautas ficavam incomodados com a crueza dos registros. Acusado de expor os jovens por não cobrir suas faces com tarjas pretas, Cavalcante se viu em meio a um dilema. ;Tanta coisa para se preocupar, tanto problema social no país, e as pessoas se preocupam com isso;, diz. ;Minha fotografia é feita bem perto dos elementos, gosto de estar junto, quanto mais próximo chegar, melhor vai ser a foto;, acredita.
Ivaldo Cavalcante acompanha a noite das cidades ao redor do Plano Piloto desde a década de 1970, quando era morador do Mercado Sul, então uma região de prostituição e desova de roubos realizados no Distrito Federal. Hoje, o beco passa por recuperação graças à ocupação de artistas da cidade. Fotografar a noite de Taguatinga, onde mora, sempre foi uma prática comum no cotidiano do fotógrafo, que é fotojornalista e já ganhou prêmios como o Rei da Espanha e na Bienal Internacional de Fotografia.
;Cada adolescente que fotografo é para mostrar que eles não são invisíveis. Temos que dar voz a eles;
Ivaldo Cavalcante, fotógrafo