O retrato diário de um país em quarentena está agora disponível no Instagram, pelas objectivas de fotojornalistas e fotógrafos profissionais portugueses.
Em Portugal, à medida que endurecem as medidas de prevenção de contágio do novo coronavírus, é cada vez menor o número de profissionais da informação a trabalhar no terreno. Os fotógrafos e fotojornalistas portugueses, cujo trabalho depende exclusivamente do contacto directo e quotidiano com a rua e as pessoas, experienciam uma nova realidade, a de confinamento e isolamento social. E de ansiedade perante o presente, que os obriga a parar, e perante o futuro próximo da profissão.
Foi no sentido de escoar as imagens que produzem, dentro e fora de portas, enquanto profissionais e cidadãos comuns, que um colectivo informal de fotógrafos e fotojornalistas nacionais criou a conta de Instagram EverydayCovid. “Mesmo em isolamento, todos continuamos a precisar de ir à farmácia, ao supermercado”, refere Gonçalo Borges Dias, um dos fundadores do projecto, em entrevista ao P3. “E é nesses intervalos que toda a gente fotografa, mesmo quem não o faz profissionalmente.” O que diferencia esta conta de Instagram, refere, é o olhar treinado de quem fotografa, “que confere às imagens uma característica especial”, explica Gonçalo. “As fotografias são mais cuidadas, mais imersivas.”
Tudo começou no seio de um grupo de WhatsApp composto por 89 fotógrafos. “Já nos conhecemos há muitos anos”, esclarece. “Em conversa com o Miguel A. Lopes, que é membro do grupo e fotógrafo da agência Lusa, surgiu a ideia de criarmos uma plataforma onde todos pudéssemos partilhar publicamente as imagens que vamos produzindo.” Assim surgiu o EverydayCovid que, em dois dias, já reuniu mais de 1400 seguidores.
O conteúdo fotográfico é criado e introduzido por um grupo de 18 fotógrafos que têm, em conjunto, acesso à conta. “No primeiro dia, inserimos tantas imagens que o Instagram nos bloqueou o acesso”, recorda Miguel A. Lopes, co-fundador de EverydayCovid, em entrevista ao P3. “Não existe um curador e cada fotógrafo é livre de partilhar o que quiser.” Dentro ou fora de portas, de norte a sul do país (incluindo as ilhas), o conteúdo das imagens revela aquilo que é o dia-a-dia de cada um, aquilo que vê. “Um vizinho de máscara, uma acção de desinfecção, as filas à porta das farmácias, dos supermercados, tudo isso é fotografável.”
O fotojornalista ressalva que esta não é uma iniciativa de natureza política ou reivindicativa, embora admita que haja muitos colegas, sobretudo aqueles que trabalham em regime de freelancer, que se encontram, de momento, sem ocupação. “Não há concertos, não há futebol, não há manifestações ou ajuntamentos. Ou seja, aquilo que é a matéria-prima de muitos trabalhos fotográficos deixou de existir. E isso reflecte-se na realidade que todos vivemos e iremos viver nos próximos meses.”
Prenuncia-se uma possível crise neste sector? Em comunicado, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) deixa um alerta. “Num contexto em que um terço dos jornalistas portugueses não tem vínculo laboral, o SJ está preocupado com a situação dos fotojornalistas, muitos dos quais estão nessas condições e, portanto, enquanto colaboradores, poderão deixar de ter trabalho – isto porque os órgãos de informação estão a reduzir pedidos – e de obter rendimento.”
Pelo PÚBLICO, o fotojornalista Adriano Miranda tem mostrado imagens da sua quarentena familiar.