André Liohn: Fotografo de Guerra. Por Luiza Ester

Fonte:http://portaldonic.com.br

06/07/2019 10:23

 

“Não vale a pena”, diz André Liohn sobre fotografar guerras

Por Luiza Ester

A Líbia vive uma guerra civil desde 2011. Durante o conflito, o fotojornalista André Liohn, 43, acompanhou rebeldes que buscavam derrubar o regime de Muamar Kadafi. Estar na linha de frente dessa batalha lhe rendeu uma série de fotos, que o tornou o primeiro sul-americano a ganhar o prêmio Robert Capa, um dos maiores reconhecimentos da fotografia mundial. Mesmo assim, para ele, esse risco “não vale a pena”. Na verdade, o importante é produzir algo que possa criar impacto e levar reflexão. A escolha de fazer depende de cada um.

Guerra Civil na Líbia. Foto: André Liohn

Mesmo tendo sido ferido com um tiro durante a guerra civil da Líbia, André considera que o trabalho precisa ser realizado por alguém. Algumas de suas fotografias estão na mostra “Na Linha de Frente”, no Museu da Fotografia de Fortaleza. Além de estar no meio desse fogo cruzado, Liohn retrata, por meio da mostra Revogo, o cenário de violência em todas as regiões do Brasil. O termo tem origem do ato de “revogar as certezas”. De acordo com ele, é preciso questionar se existe mesmo uma “guerra velada” no País, como costumam dizer.

André Liohn. Foto: Juliano Almada

Atualmente, Liohn é considerado um dos maiores fotógrafos de guerra do mundo. Nascido no interior de São Paulo, saiu do Brasil aos 19 anos, para trabalhar como lenhador na Suíça. Depois, na Noruega, cursou Comércio Exterior. Lá, conheceu um amigo da Somália, um país também em guerra civil. A partir daí, surgiu o questionamento: “por que eu era imigrante e ele refugiado?”. Foi quando tinha 30 anos que, assim, André despertou o interesse pela fotografia, ao registrar usuários de heroína na Europa e a catástrofe humanitária na Somália.

Momentos antes de sua palestra realizada na Universidade de Fortaleza (Unifor), no dia 15 de dezembro, Liohn concedeu, com exclusividade ao Jornalismo NIC, a entrevista a seguir, confira:

Jornalismo NIC: Em um mundo cada vez mais veloz, tecnológico, onde pessoas estão cada vez mais distantes do que as cercam, qual o papel do fotojornalista sobre essa realidade?

André Liohn: O papel do fotojornalista é sempre o mesmo. Desde o primeiro fotojornalista até hoje, o papel é informar. Isso não mudou. Eu acho que, mais do que nós refletirmos o papel do fotojornalista, nós temos que, também, parar para pensar o que nós estamos esperando hoje do fotojornalista. Porque não adianta ele falar assim “esse não é o meu papel” se as pessoas, a sociedade, continuarem a exigir alguma coisa que o profissional alí não está entendendo, ou, se estiver entendendo, não queira fazer. Por exemplo, hoje o mundo está completamente tomado pela indústria do entretenimento. Então, as pessoas não compram um carro, se não tiver um mediapack [pacote de mídia, como mini tvs e rádios], sabe? As pessoas não compram um telefone, se o telefone não for capaz de entretê-las. As pessoas hoje não compram nem roupa, se não for de uma forma de entretenimento, de passar um estilo de vida. Está muito ligado a isso, e, na fotografia, a exigência vem também. Hoje, você tem plataformas nas redes sociais que, às vezes, acabam parecendo mais videogame do que informação. Em inglês, foi forjado um termo, que eu acho muito interessante, que é entertainews [notícias de entretenimento], que não é nem entertainment (entretenimento, tradução livre), nem news (notícias, tradução livre). É uma junção, uma fusão desses dois conceitos. Então, eu acho que o papel do fotojornalista continua o mesmo, que é o de informar. Agora, o que a sociedade está esperando de nós… Eu acho que a sociedade não está realmente pensando sobre isso. Eles estão simplesmente exigindo e pronto. Se amanhã surgir uma nova tecnologia, vamos pensar, holográfica… Então, logo à tarde, se isso surgir pela manhã, vão estar esperando que o fotógrafo produza hologramas, sem que o fotógrafo tenha tido tempo para pensar sobre aquilo. Hoje nós temos drones, Instagram e uma série de coisas. Isso tudo, eu acho que cria, quando é feito sem um pensamento por trás, muita poluição, poluição cultural, poluição mental nas pessoas.

JN: Você foi ferido com um tiro durante um conflito na Líbia. Algumas de suas fotos estão na mostra “Na Linha de Frente” do Museu da Fotografia em Fortaleza. Mas até que ponto o fotojornalista deve estar nessa linha de frente?

AL: Até o ponto que ele ou ela quiser. Isso é uma decisão que, em primeira instância, dependendo da relação empregatícia do profissional ou da profissional, vai até onde ele quiser, até onde achar que pode ir. Hoje, eu ouço muito a pergunta “isso vale a pena?”. A resposta, pra mim, é tão óbvia. É claro que não vale a pena, se você for pensar nos riscos, no pagamento, numa série de coisa. Mas, nós sempre tivemos profissões, sempre tivemos indivíduos, sempre tivemos a necessidade de que algumas pessoas fizessem coisas que não valiam a pena. Então, eu acho que um bombeiro, quando ele tem que entrar em um prédio em fogo, não vale a pena. Vamos supor… Se eu sou pai, eu sou bombeiro e tenho que entrar em um prédio em chamas para salvar pessoas que eu sei que estão vivas, e eu sei que eu tenho 60% de chance de salvá-las, eu estou oferecendo ali 40% de chance que tudo dê errado. E, se alguma coisa der errado, vai ser 100% de chance que a família fique sem um pai, né? Então, é óbvio que não vale a pena, se você for fazer cálculos dessa forma. Mas, nós precisamos de um profissional treinado, precisamos de um profissional responsável, precisamos de um debate sobre segurança. Precisamos transformar aquilo tudo possível, ainda que não valha a pena. Eu acho que essa pergunta não abrange todo o problema… Agora, quando eu digo quais os riscos, e depende do profissional, eu acho que isso tudo vai, também, atrás daquela primeira resposta… Se eu estou assumindo riscos para produzir entretenimento ou informações que possam, de alguma forma, criar impacto sobre aquilo que estou tentando refletir, sobre aquilo que estou tentando informar… Fazer ou não fazer?

JN: De que forma essas reflexões te afetam emocionalmente?

AL: Tudo na vida nos afeta emocionalmente. Acho que não tem absolutamente nada, durante toda a nossa existência, que não nos afeta emocionalmente. O problema é quando nós entendemos as coisas que estão nos afetando emocionalmente… A qualidade daquilo. Quanto mais qualidade tiver, mais você vai poder viver com aquilo, mais você pode colocar aquilo em contexto. Colocando as coisas em contextos, você vai poder viver em paz com aquilo. O problema é quando você teve um monte de experiências, às vezes difíceis. Aí, na hora que você volta para casa, senta no sofá, deita no seu colchão e coloca a cabeça no teu travesseiro, vai falar com teu filho, tua mãe e teu pai, com teu amigo, enfim, com teu marido, com tua esposa… aí você fala “caramba, eu não consigo me sentir bem com aquilo, porque eu não fiz pela coisa deveria… Talvez fiz aquilo rápido”.

JN: Essa é a maior dificuldade?

AL: Não, a maior dificuldade é você não ser pago. A maior dificuldade é você, hoje, para qualquer profissão, poder fazer o teu trabalho e ser devidamente pago, para que você possa, então, garantir a sua subsistência e da sua família. Por exemplo, hoje, tem professores da rede pública que acordam todo dia de manhã, dão aula o dia inteiro, chegam em casa e ainda têm que preparar aula. Eles não têm tempo para as suas famílias, seus relacionamentos, seus amigos e, depois, não têm dinheiro para pagar suas contas. Imagina como essas pessoas se sentem emocionalmente. Então, o mais difícil é você dar subsistência.

JN: Você ganhou o Robert Capa, como esse prêmio impactou a sua carreira?

AL: Tem uma parte que você se sente lisonjeado por isso. É um prêmio que você não pede para ganhar; um dia te ligam e falam “olha, nós gostaríamos de te oferecer esse prêmio, você gostaria de receber?” e eu falo “Oh, claro. Se vocês querem me oferecer, tudo bem, eu aceito”. É claro que isso é muito lisonjeador, porque muitos dos seus colegas, se tivessem sido homenageados com esse prêmio, você também estaria alí na linha de frente para aplaudir, né? A questão de prêmios como o Robert Capa e o Pulitzer [prêmio norte-americano concedido a pessoas que realizam trabalhos de excelência na área de jornalismo, literatura e composição musical], é o seguinte… Eles não têm nenhuma significância para a indústria brasileira. Por exemplo, para você ser homenageado com um desses prêmios, você tem que, necessariamente, ter trabalhado para a indústria americana. Não adianta você ter trabalhado para indústria inglesa, japonesa, canadense, mexicana, sabe? Você tem que ter trabalhado para a indústria americana de Jornalismo. Eu acho que temos muito que aprender que, aqui [Brasil] também, nós temos que produzir eventos, prêmios, reconhecimentos e homenagens tão importantes como o Robert Capa. Tentando buscar esse caminho, nós possamos, então, fazer com que a nossa indústria tenha valia, nós tenhamos orgulho daquilo que estamos produzindo. Eu encontro vários jornalistas que costumam dizer “não, impossível, você consegue sobreviver porque você trabalha para veículos estrangeiros”. Mas não é necessariamente assim. Por exemplo, agora, no Iraque, teve um jornalista brasileiro, Yan Boechat que trabalhou 100% para veículos brasileiros. Alí, ele trabalhou com toda dignidade, ao lado de grandes jornalistas e grandes jornais, cobrindo o mesmo evento, com a mesma qualidade. E, sinceramente, às vezes com muito mais qualidade. Nós não temos um Pulitzer ou um Robert Capa para oferecer para o Yan. Então, o que nós vamos pensar? Que o trabalho dele tem menos importância que o trabalho homenageado com um ou outro prêmio da indústria americana. Eu acho que nós temos que criar algo nosso.

JN: Ao documentar a violência no Brasil, você disse ter o intuito de questionar se há, realmente, uma guerra velada no País. Pessoalmente, você conseguiu chegar a alguma conclusão?

AL: Cheguei. Se usa, no Brasil, o termo “guerra”. A minha conclusão é que não, nós não temos uma guerra. Quando eu digo isso, eu até vejo um ar de desapontamento. Eu vejo isso nos olhos das pessoas, porque nós já nos acostumamos com o discurso que aqui tem uma guerra. O Brasil não tem uma guerra. O que nós temos é um caso de delinquência crônica. E a delinquência crônica e a guerra têm algumas similaridades… Quando digo crônica é porque está em toda parte, em tudo e em todos. No caso, o indivíduo tem um medo constante de morrer, em qualquer hora e em qualquer lugar, de uma forma violenta. Então, não importa classe, raça, religião. Enfim, você o tempo todo está preparado para se defender de uma morte violenta. A diferença do que nós temos aqui no Brasil e do que acontece numa situação de guerra é que, na situação de guerra, a sociedade, o diálogo, o Estado e as instituições não são suficientes para resolver os problemas. O diálogo não resolve o problema e, muitas vezes, já não existe mais também. Já não tem instituição, não tem mais Estado e não tem mais diálogo. Se nós formos usar métodos para solucionar delinquência em uma situação de guerra, nós não vamos solucionar nunca a guerra. E, se nós formos usar métodos de guerra para solucionar delinquência, nós vamos estar superdimensionando. É como se tivesse que retirar um câncer. Para retirar um câncer, você vai ter que retirar células boas também, sabe? Para garantir que, naquele lugar, não vai haver metástase [proliferação de organismos patológicos]. Se nós usarmos métodos de guerra aqui, nós vamos ferir muitas células boas, e essas células são cidadãos que nada têm a ver com o problema.

JN: O que falta no Brasil, então, é um diálogo?  

AL: O que falta no Brasil é melhorar a qualidade dos argumentos. Se nós, por exemplo, melhorarmos a qualidade dos nossos argumentos, eu acho que isso tudo poderia se resumir, de grosso modo, à miscigenação de classes, o que nós não temos.

Serviço

Exposição “Na Linha de Frente”

 

Visitação: de quarta a sábado, das 12h às 17h (até maio de 2018)

 

Local: Museu da Fotografia de Fortaleza (Rua Frederico Borges, 545 – Varjota)

 

Preços: R$ 10,00 – inteira; R$ 5,00 – meia

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