Fotógrafo captura a vida por detrás dos muros de um presídio brasileiro por: Gabo Vieira

FONTE:https://www.hypeness.com.br/2016/05/fotografo-captura-a-vida-por-detras-dos-muros-de-um-presidio-brasileiro/

16/06/2020 07:49

 A vida na prisão é um mistério para quem está do lado de fora. Diversos escritores, músicos e cineastas já tentaram traduzir a experiência das pessoas condenadas a passar anos a fio cercadas por muros e grades. Poucos alcançaram o mesmo êxito do fotógrafo Milcho Pipin, que teve a oportunidade de documentar alguns dias dentro da Penitenciária Central do Estado do Paraná para o projeto Locked Up.

Nascido na Macedônia, Milcho vive em Curitiba há seis anos. Após uma batalha de meses com a burocracia exigida pelas autoridades, ele conseguiu permissão para entrar no PCE com dois escudeiros: sua câmera fotográfica e o professor especialista em criminologia Maurício Stegemann Dieter. As lindas imagens que nasceram deste ensaio revelam o semblante duro de detentos e funcionários, além do aspecto sombrio do presídio. O Locked Up conta ainda com trechos das conversas com os presidiários e um poema de Lydija Nikolova.

Confira abaixo a Entrevista Hypeness com Milcho e algumas das fotos do projeto.

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Hypeness (H) – Por que fotografar a vida no cárcere?

Milcho Pipin (MP) – Os presidiários fazem parte da sociedade e os temas sociais sempre me atraíram. É uma realidade blindada para os olhos de quem está do lado da liberdade. Me envolvi nesse projeto por causa do meu pai. Ele foi um inspetor da Polícia da Macedônia e trabalhou com muitos casos de crimes internacionais dentro do país. A noção de compreensão dele em relação a todas as classes sociais me inspirou a fotografar na prisão.

H – Como foram as conversas entre os presos e o professor? Você se sentiu intimidado em algum momento?

MP – A conversa foi formal e amigável. Lá dentro há muita disciplina. Em alguns momentos, apesar da situação, eu esquecia que estava em um presídio. Parecia mais um ambiente de trabalho deles, onde cada um tinha a sua função. Em nenhum momento me senti intimidado.

H – Algum presidiário em particular te impressionou mais?

MP – Todos me impressionaram de alguma maneira. A maioria colaborou com paciência e uma boa atitude com a gente, outros foram mais fechados, não tão receptivos. Me lembro de um tatuador que, no primeiro dia, não quis ser fotografado porque queria primeiro desenhar a filha dele para poder posar com o desenho na frente dele. Ele pediu então para que o fotografássemos no segundo dia. Ficamos lá fotografando por cinco dias.

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H – Há muita distância entre o que você esperava encontrar no presídio e o que encontrou de fato?
MP – Tentei não criar expectativas. Na hora que entramos, a primeira impressão foi ser tudo com muitas regras, disciplina, muitas grades, algemas e um clima de tristeza. Me lembro bem do cheiro… uma mistura do odor da pele do ser humano e sabão de limão.

H – As mulheres estão em evidência nas imagens, inclusive em meio a temas como religião e maternidade. Qual foi a sua impressão delas?

MP – É uma tristeza ver mulheres com bebês tentando desempenhar um papel de mãe mesmo cercadas de grades. Pelo que nos informaram, os bebês ficam com elas até os seis meses e depois disso por até quatro horas por dia. Caso a família não tenha condições de criá-los, o serviço social é quem o faz.

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H – Você já morou em bairros complicados na Macedônia, inclusive conhecendo alguns jovens que acabaram parando na cadeia. Este histórico te ajuda a sentir maior empatia em relação aos presos?

MP – O fato de eu ter tido esse primeiro contato com alguns vizinhos jovens problemáticos e rebeldes pode ter me inspirado para querer fotografar na prisão, sim. Aqueles envolvidos com pequenos furtos ou drogas acabaram sendo presos.

H – A frase “bandido bom é bandido morto” é bastante popular no Brasil. O que você pensa a respeito?
MP – Já ouvi mesmo utilizarem essa expressão aqui no Brasil. Entendo a fúria das pessoas, principalmente das famílias que sofrem pelos crimes cometidos. Eles julgam, mas só Deus sabe a dor que eles passam.

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H – Você disse que o trabalho do seu pai como policial na Macedônia foi uma inspiração. Ele já viu as fotos? O que achou?

MP – Essas são as palavras do meu pai: “As fotografias são apresentadas de maneira real e construtivas, as mesmas representam o destino desses presidiários. Cada um deles, mesmo tendo cometido um ato criminoso, ainda tem sua dignidade como ser humano. Eles pagam pelos atos cometidos e um dia a maioria será encaixada novamente no sistema social. Para os presos, o presídio acaba sendo a grande escola da vida.”

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H – Qual impacto que o Locked Up teve em você e qual impacto espera que ele tenha no público?

MP – O projeto Locked Up foi muito desafiador. Interagir com os presidiários, escutar suas histórias e estar cercado por cercas elétricas foi realmente indescritível e posso dizer que até surreal. São momentos íntimos de tristeza, desespero, confusão, frustração e raiva. Alguns desses momentos foram transcritos em forma de poesia pela poeta Lydija Nikolova de Londres.

Como a maioria das pessoas, não temos ideia de como é a vida dentro de uma penitenciária aqui no Brasil. Por isso, através desse projeto espero que as pessoas além de visualizarem as fotos, possam também, de uma maneira construtiva, perceber que todos nós, pessoas de boa fé, corremos o risco de praticarmos uma infração penal a todo instante e em qualquer lugar, mesmo que involuntariamente. Seja num momento de negligência, numa imprudência no trânsito, num momento de fúria em uma discussão, numa omissão de socorro, etc.

A liberdade deve ser sempre muito apreciada e nunca tida como garantida. É uma daquelas coisas que não damos o devido valor até perdermos.

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Gostou? Veja aqui o projeto Locked Up na íntegra.

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