"Minha triste aldeia..." Poesias de Felipe Alves. Foto:Ivaldo Cavalcante.

21/03/2014 09:09

 

Toda verdade é falsa.





Mentira

Os olhares ainda dão forma
A este mundo abstrato...
Os modelos parecem os mesmos
Humanos guiados por medos
Ensejos, desejos e confusão
Presos, escravos da simples paixão
Um mero momento, um detalhe
Uma intimidade, um simples olhar
Em sua primeira instância
Decidem o caminho que a vida vai levar
E olhando a fundo a substância
Posso declarar:
A mentira ainda é mais educada
Que a verdade em seu pesar
Porque a mentira nos engana
Causa fúria ou nos encanta
Mas para todas há um prazo
A verdade pode ser mais inacreditável
Que a calúnia em seu estado inviável
E a ela nada mais é
Que subordinada a nossa perspectiva
Parece cristalina, mas usa a máscara da mentira

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Falso

É tão fácil ser falso
Como o vigário descalço
A procura do otário
Que fará de bom trato
O ceder de um trocado
A este pobre farrapo
Que em breve deitado
Irá deleitar-se dopado
(e ainda descalço)

É conveniente ser falso
Quando o sorriso te oprime
E devora sua alma:
Começou a batalha
De quem se entrega primeiro
Sem se falar no receio
De demonstrar-se o medo
De perder essa queda de braço
Desse gostar enjaulado
Enviado e guardado
Pelo mais vil minotauro
Num labirinto em chamas
De nossas meras relações humanas

É comum ser falso
Falso como todo espantalho
Falso como um parabéns de aniversário
Falso como nossas bocas fechadas
Falso como as nossas falácias
Falso como a fidelidade perpétua
Falso como a nossa modéstia
Falso como a honestidade e altruísmo
Falso como acreditar em destino
Falso como qualquer rei menino
Falso como o livre arbítrio
Falso como a quem tudo condena
Falso como este poema!
            Falso!

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Queixas

Não me contento em estar atento
Nem me convém estar contente
Pois, estar contente é equivalente
A deixar pendente o desalento

Ser valente é, em pensamento,
Rechaçar a ajuda de todos os santos
E tripudiar a harmonia de todos os cantos
Ao sibilar da serpente e dos ventos tantos

Mas, as queixas se feitas em meio ao pranto
Podem fixar-se e instalar-se no peito
E acusarão a sua alma, seu jeito, seus feitos
Até se queixares das queixas, o quanto

Saber até quando o viver lamentando
Vai fazer sua sina e reduzir sua vida à migalhas
Que seja o termômetro para juntar suas tralhas
E largar suas queixas, esquecer suas deixas e viver levando.

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5 Sentidos

Olhares atentos dissecam a imagem
Os olhares profundos se perdem no mundo
Seus olhos tristonhos só mostram vaidade
Olhares vazios se esquivam de tudo

Um toque suave até lembra veludo
As unhas contra a pele são pura maldade
Pelas mãos passa-se o dinheiro imundo
A falta de toque nos causa saudade

E até pelo cheiro sentimos apego
Como o cheiro da chuva, da luva, da amada
O cheiro da morte nos traz desespero
E o cheiro do medo se exala da caça

Que falta que sentem alguns da cachaça
Ou do gosto da lingua, da boca, do beijo
Que alguém desconfere, ou mente, disfarça
E há linguas malditas que só fazem despejos

O que escutamos define o que somos
E quem sabe escutar fascina os falantes
Um ser barulhento desfaz nossos sonhos
Escutar só é bom com alguém relevante.


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Martírio

Martírio é louvor
E o sangue há de ser derramado
Para provar que é puro!
Sacrifícios impiedosos
Coroa de ossos
São provas de amor
O que vale para um deus
O seu agradar
Sem com ele sacrificar
E atestar sua dor?
Amar é padecer
A Adoração é uma chaga
E o quanto mais profunda na alma
Mais a mesma prospera
Porque desdenhar a sua carne
É elevar o teu espírito
Torture o seu físico
Por pleno perdão divino
É barato, é caridade
Sacie o sadismo do Senhor
Para que quando com a morte se depare
Possa enfim sentir a liberdade
E deixar seu corpo enfermo
Como seu último sacrilégio


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Brevidade

É Breve:
Tudo o que sucede
Tudo o que repete
Todo que merece
Tudo o que se pede
Tudo que precede
Toda confusão
Todo valentão
Todo charlatão
Toda varredura
Quem não se pendura
Quem não se segura
E acha a vida curta
Quem não aprende nada
Quem se impõe e cala
Todo moribundo
Todo amor profundo
Cego, surdo ou mudo
Todo este mundo.
-Toda a realidade
É apenas brevidade
Sem necessidade
Sem razão ou resposta
O homem quem inventou esta coisa morta
De achar que pra tudo tem uma porta
De onde e veio e onde vai
Tudo se ergue, cresce e cai.

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O tempo e o vento

Tempo, o enxadrista supremo
Que em uma jogada, um momento
Desequilibra meus pensamentos
Levou-me como o vento
Maltrata-me por fora
Distraia-me por dentro.

A tua fria harmonia
De não cessar a agonia
No tabuleiro evidencia:
O teu exercito é o abatimento
Nossa rainha a alegria.
Nossos peões, a juventude
Que se iludem com virtude
São cobaias do seu experimento.

Os cavalos, nossa força
Que são tão estáveis o qual uma gangorra
Se não souber usá-los, só os resta a forca.

Nossa fé? este é o bispo
Que vive em altos e baixos
Que para o tempo não demonstra risco
Pode morrer de auto-assassinato.

As torres, o conhecimento
Essas sim, são uma afronta ao tempo
Que se bem usadas prolongarão a partida
E privilegiarão os enxadristas da vida.

Por fim, o rei, nossa alma e corpo
A peça mais vulnerável do jogo
Que quando morto, seja de aborto,
Seja no mundo...
Só nos restará o silêncio profundo.

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Covardia

É a clara evidência
Do egoísmo, que em seu brilho sustenta
Em que se faz de uma meta
A ação mais fácil, cruel e funesta

Uni-vos, pois, o mundo é dos covardes
Gozais de toda a vil liberdade
Se em outro puderes ela cessar
É necessário termos um derrotado para que possamos ganhar

Não há sabor no mundo que se iguale a vitória
Seremos os vitoriosos, mas em outros olhos, escória
Que num pilhar humano subimos
Mas a moral que se entregue aos seus tristes filhos.

Covardia - Substanciação do fraco
Que com força se joga no buraco.
Que nunca mais volte!

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Taguatinga

Minha triste aldeia...
Que me aquece e me incendeia
No puro desfazer.
Há no ato do desato
A projeção de estar parado
No fluxo intrínseco do seu "ser".
Moradias ao pouco empilhadas
Nas tuas ruas desanimadas
Que embebedam o entardecer.
Embriagai-vos, ó, habitantes
Seja da forma que bem achares
Porque só a quem foge dos instantes
Do teu humor frio e acintilante
Vai conseguir sentir a tua falta em novos ares.



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Cala-te

Cala-te se o que falas não é ouvido
Se oque tens a dizer, não aproveitado será
Por que deixar a palavra sair do abrigo...
Se ela vai morrer no mar?

Maré de petulância
Que te arranha a garganta
Que desprova de ti o conhecimento
Te toma vigor,vontade e tempo.

Silêncio, oque te ajuda a pensar
Há um elo entre pensar e agir
Não que estejam juntos a andar

Não é sua obrigação coexistir
Faça-o quando o prazer for compartilhado
Caso o contrário, senta e fica calado!

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